terça-feira, fevereiro 28, 2006

A metáfora libertária de Glauber.

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“Espero que o sinhô tenha tirado uma lição.
Que assim mal dividido esse mundo anda errado,
Que a terra é do Homem,
Não é de Deus nem do Diabo" .
(João Guimarães Rosa)

Misticismo e fanatismo cego estão no centro da obra que projetou Glauber Rocha. “Deus e o Diabo na terra do sol” retrata as alucinações, as visões e a loucura que a fome, a miséria e a ignorância podem inspirar num povo desesperado.

Glauber narra a realidade nordestina na pele de Manuel, vítima do coronelismo, marcado pela seca e entregue às profecias e ao fanatismo dos homens, dividido - sem nenhuma conduta – entre Santo Sebastião (o profeta negro que promete que o sertão vai virar mar) e Corisco (o cangaceiro que faz justiça com suas mãos, por si e em nome de Lampião).

Assim, fundem-se as imagens de Deus e o Diabo na pele desses dois homens marcados pela loucura e pela solidão da seca (que no filme fica mais evidente pela voz de Othon Bastos narrando as duas personagens). A missão de exterminar Deus e o Diabo fica a encargo de Antônio das Mortes.O homem sem crença e livre, dono de sua própria lei. Reside na carabina de Antonio das Mortes o ideal libertário e revolucionário do filme. Exterminados o profeta e o cangaceiro, seria o primeiro passo para a saga da libertação do povo nordestino, uma revolução social tirando-os da ortodoxia, das promessas de salvação e da opressão religiosa.

Os paradoxos apresentados em Deus e o Diabo na Terra do Sol - entre a morte de Deus e a valorização do homem - marcam uma das características das obras do Cinema Novo, inspirado em obras francesas e principalmente no realismo Italiano (com Rosselini sendo seu grande inspirador).A valorização do homem e sua cultura como única forma de libertação é o que busca a estética cinema-novista, renegando a forma hollywoodiana, criando uma forma essencialmente brasileira de fazer cinema.

O realismo é presente no cenário do filme.O sol escaldante, o gado morto e as pedras no solo seco demarcam o caminho da lenta procissão de êxodo nordestino em busca da terra longínqua onde “choverá ouro e pedra se transforma em pão”.Os simbolismos religiosos são representados de forma crua com o sacrifício em nome de Deus, a purificação da alma com o sangue de um recém nascido e a imagem bíblica da mulher traidora na pele de Rosa, esposa de Manuel.O povo de Morro Santo vê-se preso entre a cruz e a espada, entre a profecia e a realidade sertaneja.

Enfim, fugindo das dimensões divinas e satânicas, entre Deus e o Diabo, jaz o homem, dono de sua própria história e da busca incessante pela liberdade.

Ficha Técnica:
Título Original: Deus E O Diabo Na Terra Do Sol
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 125 min.
Ano de Lançamento (Brasil): 1964
Direção: Glauber Rocha
Roteiro: Glauber Rocha e Walter Lima Jr.
Fotografia: Waldemar Lima

Elenco: Geraldo Del Rey ( Manuel) Othon Bastos ( Corisco) Maurício do Vale ( Antônio das Mortes) Yona Magalhães (Rosa) Lídio Silva ( Santo Sebastião)