domingo, setembro 21, 2008

Se Deus tivesse uma voz...


Tive a oportunidade de assistir pela segunda vez esse ano a apresentação de Milton Nascimento. Se na primeira foi primoroso vê-lo acompanhado do Jobim Trio, no show Novas Bossas, em Belo Horizonte, dessa vez teve sabor mais que especial, pelo local, peculiaridades do repertório e pela oportunidade única do evento: na praça Tiradentes, em Ouro Preto, Bituca foi acompanhado por Wayne Shorter, aos sopros),e Ron Carter, ao baixo, no encerramento do Sétimo Festival Tudo é Jazz, no qual foi o grande homenageado.

Se o atraso de quase uma hora obrigou Milton a uma entrada bem menos apoteótica, a pitada de espetáculo veio com a seqüencia de músicas populares no começo da apresentação – agradando boa parte que estava pouco ligando para quem era Carter ou Shorter. Mas, todos admitem, que o repertório agradou até quem foi para ver esses dois monstros sagrados do jazz.

Juntos – sem muito entrosamento, pois Carter assitiu boa parte da apresentação, sentado apenas batucando na face do baixo –, relembraram músicas do Native Dancer (álbum de Wayne, com participação de Milton), Angelus (de Milton, com a presença deles) e outras da veia jazzística pouco conhecida de Bituca.


Por mais que eu tenha achado uma apresentação morna (talvez idealizava assitir uma explosão de sons e musicalidade, regada pela fusão experimental dessas culturas musicais tão distintas), não nego que sempre vou ter de contar que aestive lá, acompanhado de boas pessoas, álcool e cigarro de palha. E que o último dia do Festival era propício para um desfecho dessa grandiosidade. Experimentei, a poucos metros, o improviso de Wayne em Ponta de Areia e Milagre dos Peixes, e o gravíssimo baixo de Ron criando uma atmosfera musical extremamente diferente de quase tudo que já ouvi – e olha que já experimentei de Slayer a João Donato!

+MULTImídia

+ Assista ao show de Ouro Preto, em 16 partes, no Youtube
+ Vídeo: Wayne e Milton – Lilia
+ Vídeo: Wayne e Milton – Tarde (1991)
+ Torrent: Download do CD Angelus, de 1993


quinta-feira, setembro 18, 2008

E eis que Deus adentra às quatro linhas

Excelente matéria assinada por Cathrin Gilbert, da revista alemã Der Spiegel, tradução de George El Khouri Andolfato. A matéria na íntegra você pode acompanhar no Mídia Global (para assinates UOL) e neste link (para não assinantes).



Muitos brasileiros que jogam por clubes de futebol europeus são membros de congregações pentecostais e estão determinados a divulgar sua fé. Apesar dos jogadores terem que doar um décimo de sua renda considerável para suas igrejas, eles freqüentemente não sabem onde vai parar o dinheiro.

Marcelo Bordon, um zagueiro de futebol, é um verdadeiro urso. Ele está sentado no restaurante de propriedade do Schalke 04, o time da Bundesliga (o campeonato alemão de futebol) no qual joga. Com seu cabelo alisado para trás, corpo musculoso e tatuagens, ele poderia facilmente se passar por um guarda de prisão em Nova Jersey. Mas ele fala suavemente, explicando o amor que o ajuda quando está em dificuldades, e sobre aquele que sempre esteve lá para ajudá-lo, desde que entrou na sua vida. Bordon fala do Espírito Santo.

O brasileiro de Ribeirão Preto, que veio para a Alemanha em 1999, é um evangélico. Ele é membro de uma igreja pentecostal carismática, que prega um respeito rígido à Bíblia e um "relacionamento pessoal com Deus". Esta é, segundo ele, a única igreja verdadeira de Jesus Cristo. Bordon, 32 anos, exibe uma tatuagem entre seus ombros, com as palavras "Jesus é minha Força" gravadas em sua pele em letra ornada.

A Bíblia nos diz para sermos soldados de Deus, ele diz, tomando um suco de maçã.

Cerca de 35 milhões de brasileiros - quase um entre cinco - são evangélicos. O número deles cresce em dois milhões ao ano, e 70% deles são, como Bordon, membros de congregações pentecostais carismáticas.

Há 40 anos, o Brasil ainda era um país 90% católico. Mas agora que os evangélicos mudaram seu foco da conversão dos pobres para a pregação de que a riqueza e o consumo são sinais de verdadeira fé, eles estão começando a ter apelo junto a artistas, políticos e atletas bem remunerados. Os jogadores de futebol, uma das exportações mais bem-sucedidas do Brasil, estão levando sua fé para o mundo.

No passado, eram jogadores como Jorginho e Paulo Sérgio do Bayer Leverkusen que convidavam publicamente outros jogadores para participarem dos grupos de discussão da Bíblia. Depois disso, jogadores como Zé Roberto e Lúcio do Bayern de Munique, ou Cacau do Stuttgart, exibiam suas camisetas brancas com frases como "Jesus Te Ama" após cada gol em uma partida da Bundesliga. Eles tiravam mecanicamente a camisa do seu time que vestiam sobre suas camisetas de Jesus.

Agora que a Fifa, a federação internacional de futebol, proibiu toda declaração política e religiosa no material esportivo dos jogadores, os evangélicos passaram a celebrar de forma mais discreta. O meio-campista Gilberto, que jogou pelo Hertha BSC de Berlim até janeiro, agora reza em Londres, no Tottenham Hotspur, o jogador Edmílson ora em Villarreal, Espanha, Cris, em Lyon, Luisão, em Lisboa, e o astro Kaká, em Milão. (...)

segunda-feira, setembro 08, 2008

Festival Tudo é Jazz - Programação

Depois de receber Herbie Hancock, em maio, o Brasil terá a apresentação de mais dois monstros sagrados do jazz americano. No encerramento do Sétimo Festival Tudo é Jazz, Wayne Shorter e Ron Carter são convidados por Milton Nascimento à reviverem a parceria clássica de 1993, no disco Angelus, no qual Bituca contou com um dream team formado por Carter, Shorter, Hancock, Peter Gabriel, entre outros.

Já data de décadas a ligação de Milton com o Jazz. O próprio Hancock, em lua de mel no Brasil, em meados da década de 1960, ficou espantado com a voz do mineiro, quando este pegou o violão para arranhar alguns acordes. De pronto, pediu para que Bituca parasse até que um gravador fosse encontrado. Outra importante ligação entre os músicos é a participação do brasileiro em Native Dance, álbum de jazz fusion de Shorter.

Para o Festival, que acontece em Ouro Preto, Hancock foi cogitado, mas o cachê inviabilizou sua presença. Mês que vem será a vez de Sonny Rollins descer em terras brasileiras para assombrar os palcos do Tim Festival em duas noites (dias 21 e 25 de Outubro)

quarta-feira, setembro 03, 2008

O jeito mineiro de pensar e fazer cinema

*Reportagem inscrita no Prêmio BDMG de Jornalismo Cultural 2007

Renan Damasceno

Quase um século se passou desde que “aquele mocinho engrouvinhado, que tem cara de infusório” adentrou a sala do diretor do Diário de Minas, carregando embaixo do braço a crítica do filme Diana, a caçadora. O longa-metragem, provavelmente americano, acabara de estrear no recém-inaugurado Cine Pathé, na Avenida Afonso Pena, e se transformou em assunto obrigatório entre os belo-horizontinos, qualificado como “mais do que prejudicial, nojento” pela conservadora Liga pela Moralidade. O mocinho – descrito acima com muita acidez pelo escritor Eduardo Frieiro – era Carlos Drummond de Andrade, que acabara de mudar de Itabira para tornar-se jornalista na capital mineira. Drummond também despejava críticas moralistas sobre o filme em seu primeiro artigo na grande imprensa, “Diana, a moral e o cinema”, publicado em 15 de abril de 1920, por um outro jornal, o Jornal de Minas.


Belo Horizonte era uma cidade que oscilava entre a modernidade e a tradição. A primeira exibição de cinema em Minas Gerais – 22 de julho de 1897, em Juiz de Fora –, havia acontecido apenas 18 meses após a sessão inaugural feita pelos irmãos Lumiére, no subsolo do Grand Café, em Paris, e chegaria à recém-formada capital mineira em 1898. Logo nos primeiros anos do século XX, a sétima arte encontraria adeptos fiéis, incrementada pela revolução narrativa de D.W. Griffith, em 1915 (diretor de O nascimento de uma nação, primeiro longa-metragem da história) e também pelo surgimento de vários cinemas, como o Cine Pathé e o Cine Odeón, à Rua da Bahia.

Já o jornalismo capengava entre sucessivas aberturas e fechamentos de jornais, escorado por uma Associação Mineira de Imprensa não menos desestruturada, que sobreviveu por quatro anos – de 1918 a 1922.

Dos jornais da época, que conseguiram mais de meia dúzia de edições, destaca-se o Diário de Minas, fundado em 1899 e órgão oficial do Partido Republicano Mineiro. Muita coisa mudou desde as exibições do Cine Pathé, e os jovens cinéfilos puritanos e moralistas das primeiras décadas, certamente, ateariam fogo nas salas de cinema se assistissem, quase 50 anos depois, à obra de seu conterrâneo, Neville d’Almeida, que trouxe para as telas A Dama da Lotação e Os Sete Gatinhos, adaptações das célebres crônicas de Nélson Rodrigues.

Confira a Galeria de Fotos dos cinemas de BH





















1 - Cine Odeón, à Rua da Bahia (década de 1910)
2 - Cine Floresta, esquina de Pouso Alegre e Itajubá (déc. de 1910)
3 - Cine Glória (déc. de 1920)
4 - Cine Metrópole (déc de 1940)

5 - Cine Brasil, arquitetura art decó no coração da cidade (déc de 1930)
6 - Cine Brasil (déc. de 1930)


A nova geração de Cataguases

Cataguases, um lugarzinho atrasado que vivia sonolento às margens do Ribeirão Meia Pataca, presenciou na década de 20 o nascimento de dois movimentos importantes na cultura brasileira: A revista modernista Verde e o cinema de Humberto Mauro. Até então, o solitário motivo de orgulho para a cidade era a glória de ter inventado o picolé. “Sem palito, mas picolé”, ressalta o cineasta.

Mesmo a cidade obtendo importância histórica graças a Humberto Mauro, o movimento modernista de Cataguases não passou despercebido. Em 1927, nascia a primeira edição da revista Verde, influenciada pelos textos que balançavam as estruturas da literatura brasileira pós-Semana de 22. Em suas seis edições, a revista contou com a colaboração de nomes importantes como Jorge de Lima e Murilo Mendes. Tudo isso graças a Rosário Fusco, que aos 17 anos, sem nenhuma cerimômia, pediu ao autor de Macunaíma que lhe enviasse “uma bosta qualquer”, para uma revista que estava organizando com alguns amigos. Mário, surpreendido com o bilhete, não relutou em colaborar.

Na primeira edição da revista, Rosário dedica um artigo ao lançamento de Tesouro Perdido, segundo longa-metragem do conterrâneo. Na edição 5, J. Martins aplaude a iniciativa de Mauro, e prevê uma “hollywood-mirim” em Cataguases. Mas a relação entre os dois grupos termina por aí. A Verde encerra seu expediente em 1929, ano em que o outro filho ilustre da cidade muda-se para o Rio de Janeiro. Humberto Mauro, apaixonado por fotografia, enxergou a possibilidade de fazer cinema ao conhecer o fotógrafo italiano Pedro Comello.

O cinema brasileiro estava em crise com o domínio massivo dos americanos e a única saída eram os ciclos regionais. “O ciclo de Cataguases obteve sucesso graças ao financiamento de fazendeiros e comerciantes da Zona da Mata, que investiram nessa aventura”, conta o historiador Rafael Ciccarini, professor de Cinema Brasileiro da Escola livre de cinema de Belo Horizonte. Segundo o historiador, outra coisa que favoreceu a realização, quase artesanal, de filmes como Na Primavera da Vida (1926) e Tesouro Perdido (1927) era o conhecimento técnico de Mauro, formado em eletromecânica.

Após dirigir quatro filmes em Cataguases, Humberto Mauro – já reconhecido como grande diretor pela revista Cinearte, de Adhemar Gonzaga – vai para a Cinédia e dirige seus principais longas, entre eles Ganga Bruta (1931-33), A voz do Carnaval (1933) e Favella dos meus amores (1935). Anos depois, a convite do ministro Gustavo Capanema, Mauro se vincula ao Instituto Nacional de Cinema Educativo, produzindo 357 filmes científicos e educativos, até 1972.

Mesmo com o reconhecimento de público e crítica nos anos de Cinédia, Humberto Mauro só alcançou o título de “fundador do cinema brasileiro” na virada dos anos 1950 para os 60, por críticos como Alex Viany e Paulo Emílio Salles Gomes (esse último reconstruiu a experiência do cineasta no livro Humberto Mauro: Cataguases, Cinearte). Rafael Ciccarini também ressalta a importância do diretor na formação do Cinema Novo: “Da metralhadora de críticas que Glauber Rocha disparou, com sua revisão sobre nosso cinema, sobrou pouca coisa. Entre elas, o nome mais aclamado foi de Humberto Mauro”.

A cidade com o maior número de críticos por Km²

A história do cinema brasileiro começou a ser reescrita em meados dos anos 50 com o engajamento de críticos responsáveis por reformular a relação entre o Brasil e as novas tendências do cinema mundial. Influenciados pela nova crítica francesa da Nouvelle Vague e fortalecidos pelo cineclubismo, os cineastas brasileiros enxergaram a possibilidade de criar um novo cinema, ou seja, um Cinema Novo, movimento teorizado e liderado por Glauber Rocha. Belo Horizonte, no final dos anos 40, abrigou um dos mais importantes e consistentes cineclube do país.


A dedicação dos mineiros à crítica de cinema culminou na publicação da Revista de Cinema – criada por Cyro Siqueira, no início da década de 50, que se estendeu ao longo de dez anos, com 24 edições – e no CEC, Centro de Estudos Cinematográficos, criado em 1951. Tal paixão foi lembrada pelo jornalista Humberto Werneck, em seu livro O Desatino da Rapaziada, dizendo que a capital mineira “se converteu na cidade com o maior número de críticos de cinema por quilômetro quadrado”. Fábio Leite, crítico de cinema do jornal Hoje em Dia e filiado ao CEC desde a década de 70, atribui esse fenômeno à presença marcante da sétima arte na vida da população que, segundo ele, “naquela época, não tinha muita coisa pra se fazer”. “Assistíamos aos filmes e depois ficávamos horas discutindo nas mesas dos bares. Até na Faculdade de Engenharia Química da UFMG improvisava-se um pano branco para exibições após a aula. Profissionais, de todas as áreas, começavam a esboçar um espírito crítico em relação aos filmes, e a base encontrávamos no CEC, com mostras, palestras e debates”, explica.

O CEC foi fundamental na formação de várias gerações de críticos. Muitos, como Marcelo Castilho Avelar e o próprio Fábio Leite, atuam na imprensa mineira. O centro de estudos ainda funciona em uma pequena sala no Palácio das Artes e é um dos realizadores do festival Curta Minas, mas não tem a mesma força de antes. Já a Revista de Cinema alcançou repercussão internacional e foi responsável por introduzir na pauta dos críticos brasileiros, cineastas como Luís Buñuel e Ingmar Bergman. Com a solidificação da imprensa em Minas, o jornalismo e a crítica escreveu uma história de estreita relação com o cinema, sendo responsáveis por alimentar a paixão dos mineiros pela sétima arte.