quarta-feira, abril 29, 2009

Artigo - 100 dias em 10 capas

Em pouco mais de três meses no governo, Obama aparece cada vez mais cabisbaixo e pensativo na capa das principais revistas norte-americanas

Renan Damasceno

Barack Obama está preocupado. Embora goze de popularidade acima de qualquer suspeita, o novo timoneiro da América tem andado mais introspectivo e pensativo nas últimas semanas, imagem oposta ao semblante rijo e olhar determinado que o levou à Washington, em eleição vencida em novembro do ano passado. Cem dias após assumir a Casa Branca, o 44º presidente da maior potência mundial – 14º democrata a ocupar o posto –, já sente precocemente o peso de governar o país, uma vez que a população exije postura firme diante da crise e o restante do mundo anseia novas diretrizes na política externa.

Desde que assumiu oficialmente o governo estadunidense, em 20 de janeiro, Mr. Obama apareceu na capa de 10 edições de três revistas de grande circulação no país: The Economist, Newsweek e Times. Neste período, foram lançadas 45 edições semanais e o rosto do presidente, em foto ou charge, é destaque, pelo menos, uma vez por mês em cada uma delas. A 11º capa será no próximo número da Times, em 4 de maio, que traz Obama, fotografado pelas costas, caminhando pensativo.

O novo comandante tem curvado seu queixo cada vez mais para baixo nas capas das revistas. O semblante de novo imperador, o sorriso largo ao lado da primeira-dama Michelle e a serenidade das primeiras semanas – explorados em cinco edições entre 17 de janeiro e 2 de fevereiro, acompanhados por frases esperançosas como “Renovando a América” (The Economist, 17/01/2009) e “Grande Expectativa” (Time, 26/01/2009) –, deram lugar no último mês à preocupação e à cautela.

Obama – e parte de 2/3 do eleitorado americano que o apóia – descobriu que a política externa não se resolve apenas com apertos de mão (bem apertados!) com Hugo Chávez ou troca de afagos com Cuba. O presidente, embora inexperiente, terá que manejar ainda a questão da fronteira com o México, manter a ordem de retirada do exercito do Iraque, conciliar-se com o mundo islâmico e recuperar o país do virulento antiamericanismo, que aumentou na Era Bush. Ao mesmo tempo, lidará com um problema que deve ganhar contornos maiores nos próximos anos: a guerra no Afeganistão, tratada na capa da Newsweek, de 09/02/2009, como o “Vietnã de Obama”. A edição alerta para os contornos além do planejado que a batalha pode ganhar nos próximos meses e como pode custar caro aos americanos.

Para evitar um naufrágio – As revistas têm trocado o otimismo pela cautela. Se antes a “obamania” não deixava brechas às críticas, desde lançado o plano salvador de US$ 787 bilhões, no começo de fevereiro, a imprensa preferiu se distanciar do mito para avaliar os riscos e não deixar que o timoneiro caia no mar, levando junto o povo americano (The Economist, 14/02/2009). Para a publicação, o plano deve ser muito bem abalizado para que seja a solução e não mais uma parte do problema.

Em casa, Obama tem sido mais criticado que no exterior. Para muitos, ainda precisa mostrar mais liderança e conciliar o Congresso, para que consiga apoio em projetos mais difíceis e arrojados no futuro, como o controle na emissão de carbono e reforma da saúde pública. A crítica mais dura recebida até agora foi da The Economist, edição de 28/03/2009, que decreta que o desempenho caseiro de Obama foi fraco para aqueles que endossaram sua candidatura, incluindo a própria publicação.

O psicólogo da América – No entanto, esses obstáculos não excluem a competência de Obama no manejo da política externa e seu imensurável poder psicológico. “O novo psicólogo da América” (Newsweek, 02/03/2009) inspira confiança no seu povo e tem apoio massivo para trabalhar. Segundo levantamento recente do Barômetro Iberoamericano de Governabilidade, o governante têm 85% de avaliação positiva, superando populares da América Latina, como Luiz Inácio Lula da Silva, que aparece em terceiro com 73%. Pesquisa do Washington Post revela que 69% dos estadunidenses aprovam seu trabalho.

Os americanos, apesar da crise, tiveram sua fé no futuro restaurada e sabem que não há cura fácil para os problemas do país, por isso são pacientes. A “obamania” está longe do fim e o presidente, embora ande meio cabisbaixo pelos corredores da Casa Branca, sabe que o sol pode voltar a raiar na América nos próximos anos.



segunda-feira, abril 27, 2009

Cinema e jornalismo (ou Billy Wilder vs. jornalismo)


Boa parte dos estudantes que chegam à faculdade de jornalismo foram atraídos pela vida frenética e emocionante dos repórteres das telas de cinema. “Nossa, você vai ser jornalista igual aqueles caras malucos dos filmes?”. Muitos já responderam essa pergunta, sem saber se a profissão era vista com fascínio ou desdenho. Bem, concluo pelo lado mais positivo.

O cinema americano assume, sozinho, a culpa deste estereótipo. Em Hollywood, as redações de jornais sempre foram palco de histórias intensas, permeadas de intrigas e investigações. A lista é grande, com produções desde a década de 1930, ora denunciando os desmandos e excessos da imprensa, ora exaltando a importância do jornalismo para o bem estar social.

O mau humorado e cruel Billy Wilder é, disparado, meu preferido. Quando lançou A montanha dos sete abutres foi tachado de cínico e mentiroso. A película de 1951 – um ano após lançado a obra-prima Crepúsculo dos Deuses – é considerado o erro maior de Billy, pois confrontava não só os americanos, mas a humanidade. O repórter Chuck Tatum, interpretado por Kirk Douglas, aproveitara de um sujeito que ficara preso em um buraco para criar um grande espetáculo., consumido em capítulos pelos ávidos leitores. O fato, que merecia no máximo uma nota de pé de página, se transformou em uma cachoeiras de manchetes, com cenas e fatos manipulados por Tatum.

Mais de duas décadas depois, Wilder retoma o assunto. Preferiu uma deliciosa comédia a repetir a acidez. Em A Primeira Página, de 1977, Jack Lemmon e Walter Matthau fazem de tudo para superar os jornais concorrentes de Chicago na cobertura da fuga do criminoso bolchevique condenado à cadeira elétrica. Se antes Billy acertou em cheio a humanidade, faltava nocautear diretamente o jornalismo. O frenesi pelo furo era (mau) tratado com o peculiar humor do diretor.

Está no blog do Sérgio Dávila desta semana:

De quando em quando, o cinema norte-americano produz um filme importante sobre jornalismo. Para ficar em apenas dois exemplos, os anos 70 tiveram "Todos os Homens do Presidente", de Alan Pakula, em que Robert Redford e Dustin Hoffman reencenavam a apuração do escândalo de Watergate. Duas décadas depois, era a vez de Ron Howard mostrar o pulso de um tabloide nova-iorquino em "The Paper".

Agora, chega às telas dos EUA "State of Play", "o estado das coisas", em tradução livre, que no Brasil se chamará "Intrigas de Estado" e tem estreia prevista para 12 de junho. É um grande filme, mais na linha "O Dossiê Pelicano" (1993, do mesmo Pakula), no sentido de que a trama policial é o fio condutor, do que de "Todos os Homens", em que a discussão política costurava a narrativa.

Mas é o tema incidental que tem chamado mais a atenção e levado jornalistas às lágrimas ao final dos 127 minutos de exibição: a importância institucional da imprensa escrita e a crise por que ela passa nos EUA, causada por um modelo de negócios que se provou equivocado e alimentada pela recessão econômica.

O argumento de "State" é de que sem repórteres com experiência e tempo para trabalhar numa história não há jornalismo digno do nome, e, sem esse, o sistema de freios e contrapesos que regula os poderes perde um componente vital.

O filme não rejeita o "novo mundo" dos blogues, por exemplo, apenas sugere que a nova mídia tem a ganhar se incorporar a consistência da velha, em vez de simplesmente a negar ou torcer por sua extinção, como é o caso de nove em cada dez blogueiros.

"State" faz isso ao reimaginar para os novos tempos a parceria Carl Bernstein-Bob Woodward, agora com um jornalista veterano (Russell Crowe) que é obrigado a se aliar a uma jovem blogueira (Rachel McAdams) para investigar uma história, que envolve um político (Ben Affleck) e uma empresa de mercenários que lembra a Blackwater. Ambos trabalham para o mesmo jornal em crise, o fictício "Washington Globe".

No final, ganham todos, a República, Hollywood e o jornalismo.
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+ Cinema americano e jornalismo neste blog:

Kubrick - o poeta do cinema visual
A arte dos obituários



terça-feira, abril 21, 2009

Frase

"O dia em que se estudar as causas da integração nacional, vai-se descobrir que, além do Flamengo, somente a Igreja Católica e o jogo do bicho são tão abrangentes. Não por acaso, essas instituições se alimentam da mesma matéria-prima: a fé"

Ruy Castro

sexta-feira, abril 17, 2009

Fim de Semana - As façanhas de Farnésio


Em 16 de abril foi comemorado o dia da Voz. Não sabia até ligar a televisão para assistir o Pontapé Inicial, melhor programa de esporte da televisão, comandado por José Trajano, na ESPN Brasil. Embora Trajano, ardoroso torcedor do América carioca, tenha se lembrado de grandes intérpretes como Frank Sinatra e Lúcio Alves, cometeu uma injustiça: esqueceu Dick Farney.

Farnésio Dutra e Silva, o Dick, conta Ruy Castro em Chega de Saudade, arrebanhou fãs no período pré-Bossa Nova e continuou afinado com o novo estilo nas décadas seguintes. O Sinatra-Farney Fan Club, fundado por Carlos Lyra e Roberto Menescal, era dos mais populares do Rio e rival do Haymes-Lúcio Fan Club, dedicado a Dick Haymes e Lúcio Alves. Mesmo com a rivalidade dos fãs, os dois brasileiros estavam longe de alimentar qualquer briga, tanto que gravaram juntos discos e clássicos como “Tereza da Praia”, ao lado de “Copacabana”, a mais famosa gravação de Dick.

Para Ruy Castro, Farney foi uma espécie de São João Batista da Bossa Nova – mesmo com pouco mais de 30 anos, já era veterano nas boates, com passagens por Hollywood, padrinho de cantores como Johnny Alf e admirado até por Bing Crosby. Seu arquivo de foto é recheado de personalidades como o próprio Sinatra e Nat ‘King’ Cole.

Mas sua façanha maior é de ter sido, possivelmente, o primeiro a gravar “Tenderly", em 1947. Biógrafos não chegam a uma conclusão, atribuindo o debute também a Sarah Vaughan. Discussões à parte, o intérprete e pianista deixou um playlist enorme de clássicos e versões, em português e inglês...”Inútil Paisagem”, “Fotografia”, “Marina”, “Night and Day”, “This Love of Mine”....

Encontrei, no Youtube, um documentário dedicado a Dick feito pela TV Cultura, em 2007, em sete partes:

terça-feira, abril 14, 2009

Levante no interior – História do cinema em Alfenas


Em 1967, Glauber Rocha, o maior de nossos cineastas, já havia escancarado nossa fome e alçava voos mais arrojados e alegóricos ao esmiuçar nossa Terra em Transe. Na França, Godard antecipava a revolução em La Chinoise e terminava ali, na minha opinião, seu ciclo genial, no qual retomaria duas décadas depois com Je Vous Salue, Marie. Antonioni, já o maior italiano da década, partia para a Inglaterra para discutir o conceito da imagem em Blow Up – rodado um ano antes. Buñuel se rendia às tardes parisienses em A belle de jour. A liberdade da América-on-the-road chegava aos cinemas com Easy Rider e, aqui, a liberdade estava com seus dias contados à espera do AI-5.

O cinema brasileiro não decidia se continuava Novo ou trazia de volta as chanchadas, desta vez pouco mais apimentadas. Alguns, como Sganzerla, preferiram embrulhar tudo, jogar na lata de lixo e expor as entranhas das metrópoles que nasciam. Sufocados pelo regime, que estreitava o espaço da produção cultural, os artistas tiveram de se virar e arrumar um sem fim de metáforas para falar o que queriam. Conseguiram. Afinal, a dita era burra.

Embora as principais manifestações estivessem nas capitais, o interior se fez valer. No mesmo ano que Glauber, Godard e o cinema americano falavam em liberdade, poder e manifestações, o texto “Levante das saias”, do teatrólogo Valdir de Luna Carneiro, de Alfenas, Sul de Minas, ganhava versão nas telas, sob a direção de Ismar Porto. A história se mostra atual e visionária, ao trazer à tona o feminismo, antecipar as passeatas e greves francesas, a proteção da igreja aos perseguidos e o fenômeno da industrialização que rumava, tardiamente, ao interior do país.

O texto é simples e pontual. O enredo se passa na fictícia Palha Verde (Alfenas). Um empresa se instalara na cidade e a esposa do dono do negócio está prestes a cair nas garras do garanhão. Com medo de perder o investimento e a fim de resguardar a honra das mulheres, o prefeito e os homens de bem decidem expulsar o galã de Palha Verde. Apoiadas pela igreja, as mulheres se reunem e saem às ruas em defesa do galanteador. Não vou contar o final. Toda essa deliciosa comédia muito bem amarrada e com diálogos enxutos e rápidos.

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Os detalhes da produção, as histórias e entrevistas sobre o filme serão apresentados na primeira edição da nossa revista eletrônica, que ainda está no forno. As reuniões – às duras penas, discussões e cafés –, ainda estão decidindo o rumo desta nova empreitada.
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Estive com Valdir de Luna no último fim de semana, em Alfenas. Em uma ótima tarde de conversa, falamos de literatura, cinema e jornalismo. Fui presenteado com alguns livros seus, entre eles “Sex...teto”, que originou o filme, e o primeiro volume de Teatro Completo, organizado e editado pela prefeitura local.
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Na imagem está o pedido de censura ao filme, liberado como “impróprio para menos de 18 anos e livre para exportação”, em 18/12/1967.