sábado, maio 05, 2007

Drummondianas e o cinema em BH *



"Aquele mocinho engrouvinhado que têm cara de infusório"

Eduardo Frieiro, comentando a entrada de Carlos Drummond na redação do Diário de Minas em 1920.


Texto: Renan Damasceno


O cinema é a única arte que apresenta atestado de nascimento com data, hora e local – uma exibição pública realizada por Auguste e Louis Lumiére, em 27 de dezembro de 1895, às 21 horas, no subsolo do Grand Café, em Paris. Os irmãos acreditavam que a invenção serviria apenas para pesquisas científicas, registrando o movimento. Porém, tornou-se uma indústria de entretenimento lucrativa já nos primeiros vinte anos de vida, incorporada por grandes estúdios cinematrográficos e nomes inovadores como o francês Georges Meliés, avô dos efeitos especiais, e D. W. Griffith, o norte-americano que em 1915 lançou o primeiro longa-metragem da história: O nascimento de uma nação, um marco, dividindo a pré-história e a história de um cinema que prometia muito ainda na primeira metade do século XX.

A sétima arte não tardou em chegar à Minas Gerais. A primeira exibição por aqui – 22 de julho de 1897, em Juiz de Fora – aconteceu apenas 18 meses após a sessão inaugural em Paris e chegaria à recém-formada capital mineira em 1898. Belo Horizonte era uma cidade que se firmava entre a modernidade e a tradição e logo se familiarizou com a novidade.

As primeiras salas de cinema nasceram ainda na década de 10, beneficiadas pela energia elétrica estável e pela chegada do primeiro cinematógrafo permanente na capital, em 1906. Assim, em 1910, era fundado o Cinema Avenida, na Afonso Pena, o Cine Eclair, na rua São Paulo e o Cine Odeón, antigo Teatro Paris, na rua da Bahia. (Vale lembrar que na primeira década o cinema brasileiro vivia sua Belle Epoque, com 90% dos filmes em exibição produzidos em território nacional. Os Estados Unidos firmariam como cinema hegemônico após 1918, favorecido por uma invejável estrutura de produção e distribuição de seus filmes).

O Cine Odeón se transformou em referência para a vida cinematográfica da cidade e um centro de sociabilidade entre os jovens cinéfilos. Nessa época, a coluna Pelos Cinemas, do Estado de Minas – não o mesmo jornal que conhecemos hoje – passa a acompanhar a vida cultural da cidade. As salas começam a receber grandes públicos com a inauguração de cinemas populares, como o Cine Floresta, em 1915, e divide a sociedade conservadora da época que qualifica alguns filmes como “uso abusivo de decotes” ou “abundância de cenas aterrorizantes”.

O filme norte-americano “Diana, a caçadora”, que acabara de estreiar no Cine Pathé, na avenida Afonso Pena, é descrito como “mais do que prejudicial, nojento” pela tradicional Liga pela Moralidade. Não é de se estranhar tamanha repercussão que levou um moço recém-chegado de Itabira a escrever seu primeiro artigo na grande imprensa intitulado: “Diana, a moral e o cinema”, publicado em 15 de abril de 1920, no Diário de Minas. Este rapaz, que chegava na capital para tentar carreira como jornalista, era ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade.

Muita coisa mudou desde as exibições do Cine Pathé e os jovens cinéfilos puritanos e moralistas das três primeiras décadas, certamente, atiariam fogo nas salas de cinema se assistissem, quase 50 anos depois, a obra de seu conterrâneo, Neville d’Almeida, que trouxe para as telas A Dama da Lotação e Os sete gatinhos, adaptações célebres das crônicas de Nélson Rodrigues.


*Título original: Belo Horizonte: Histórias de cinema. Publicado em maio de 2006 pelo jornal Quinzenário. Editor: Léo Quintino.