Desde Nove Rainhas (2000, dir. Fabián Bielinsky), considero Ricardo Darín um dos melhores atores em atividade no cinema mundial. Minha opinião foi ganhando consistência com a atuação do argentino em Kamchatka (2002, Marcelo Piñeyro), Lua de Avellaneda (2004, Juan José Campanella), culminando no premiado O Segredo de Seus Olhos (2009, Campanella), vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Entretanto, fui perceber sua versatilidade em dois filmes menores que assisti este ano: Carancho (Pablo Trapero), em que interpreta um advogado que aproveita de vítimas de acidentes de trânsito para lucrar o seguro -- conhecidos como Abutres --, e, agora, em Um Conto Chinês (Sebastián Borensztein). O filme, mais um da rica produção argentina, sustentado pela figura de Darín (aqui, entrevista dele ao Starte, da Globo News), é marcado pelas sutilezas e rudez do amável protagonista. É um conto sutil, pequeno como um conto chinês, mas que se revela sábio e grandioso.
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Estreou neste fim de semana nos cinemas brasileiros O Segredo de seus Olhos (de Juan José Campanella), concorrente argentino ao Oscar de melhor filme estrangeiro. O filme, protagonizado por Ricardo Darín, é uma das duas películas sul-americanas que disputam a estatueta este ano, número inédito de indicações na mesma categoria para a região, que não chegava lá desde 2002, com O Filho da Noiva - outro portenho com a dobradinha Campanella-Darín.
O peruano La Teta Assustada, de Cláudia Llosa, vencedor do Urso de Ouro, em Berlim, é o outro latino no páreo.
Em 52 anos de categoria própria - os estrangeiros, antes de 1957, eram agraciados apenas com prêmio honorário -, a América Sul venceu apenas uma vez, em 1985, com o também argentino La Historia Oficial, drama que retrata a curta e sangrenta ditadura militar do país (1976-1983).
Explico o motivo pelo qual atribuo tanta importância a categoria.
A vitória ou a presença assídua na disputa pelo Oscar de melhor filme de língua não-inglesa indicam, mais do que qualidade, a maturidade de um país de menor tradição cinematográfica em exprimir histórias universais: que superam as fronteiras dos regionalismos e encantam platéias através da linguagem do cinema.
Especulações
Instigado pelo número de premiações internacionais que o cinema argentino recebeu nesta década, tentei especular algumas rezões da consolidação portenha no mapa do cinema mundial. A primeira (e quase óbvia) é o idioma. Além de ser língua oficial de 20 países e falado por mais de meio bilhão de pessoas, o espanhol facilita o intercâmbio com países de maior tradição cinematográfica - como a Espanha.
Em 2002, Cármen Maura, uma das mulheres preferidas de Pedro Almodóvar, interpretou a avó no belíssimo filme Valentín. A Menina Santa, de Lucrecia Martel, um dos marcos do renascimento do cinema argentino, teve uma "ajudinha" dos irmãos Pedro e Agustín Almodóvar.
O intercâmbio também favorece no desenvolvimento e fusões de linguagens. O Segredo de Seus Olhos, por exemplo, tem pitadas de thriller policial, cinema político e comédia romântica, influências claras de produções norte-americanas. (Campanella trabalhou nos últimos anos em séries de TV nos Estados Unidos, como Law & Order e 30 Rock).
Outro indicativo de sucesso é a produção dos principais filmes do país em torno de um mesmo ator: Ricardo Darín, hoje reconhecido e verenado além das fronteiras argentinas. Darín foi protagonista de quatro dos principais filmes da década: o premiadíssimo Nove Rainhas (2000) - adaptado quatro anos mais tarde para o cinema americano como Criminal -, Clube da Lua (2004) e os dois últimos argentinos no Oscar - O filho da Noiva (2001) e, agora, O Segredo de Seus Olhos.
El Secreto
Favorito ao Oscar, O Segredo de seus olhos é um thriller policial leve (por ter pitadas de comédia) e envolvente (por ser conduzido por romances que não se resolvem). Passado em dois momentos distintos da história do país, o filme conta a história de um crime cometido no início da década de 1970, que permanece sem solução.
O ex-oficial de Justiça Benjamin (Ricardo Darín), que recebeu o caso à época, resolve retomar os fatos para um romance. Logo, Benjamin percebe que o jogo da Justiça vai além das pilhas de pastas e papéis que ocupam até o teto de sua sala. De caçador, passa à caça e, com a mudança de governo no país, vê escoar pelas mãos a chance de desvendar o mistério do estupro da bela jovem.
A chance reaparece agora, quase 40 anos depois, e as respostas que tanto Benjamin procurou podem ir além das páginas de um livro.
Estréia nos cinemas brasileiros Café dos Maestros, primeiro longa do diretor argentino Miguel Kohan. Entre ensaios e performances ao vivo, o filme monta um mosaico da cultura do tango. Grandes artistas como Leopoldo Federico, Lágrima Rios, Aníbal Rios, José Libertella e Luis Stazo ensaiam para uma apresentação ao vivo de gala no Teatro Colón, na capital argentina. Eles possuem diferentes estilos, diferentes origens. Conversam, contam histórias e Miguel Kohan vai montando o que é muito mais do que um documento sobre esse ritmo que é tão importante para os argentinos quanto o samba para os brasileiros.
Ukamau (dir. Jorge Sanjinés, 1966) é uma das mais instigantes e belas obras do rico cinema latino-americano da década de 1960. Com enredo envolvente, denuncia os atritos entre o povo andino e os mestiços – uma alegoria das reivindicações indígenas, tão maltratados pelos colonizadores.
A história gira em torno do assassinato da mulher de um camponês, a mando de um mestiço. Durante um ano, o aymara Andrés Mayta, arquiteta sua vingança. No dia escolhido, numa tomada aérea – que muito lembra a luta de Antônio das Mortes, em o Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, de Glauber –, os dois partem para a luta corpo a corpo.
Aí, o choque de genialidade de Sanjínes: em vez de dar ao camponês a chance de matar sem piedades o mestiço, propõe um luta, na qual o indígena dita as regras. Há uma inversão de valores sociais. Não há um triunfo pelo simples sabor da vingança e, sim, uma proposta libertária, que dá ao oprimido a chance de exercer o poder sobre o ex-opressor.
Em Ukamau, assim como em outros filmes da época, há uma ligação muito forte com a terra. Seja no arado, no cultivo, ou mesmo na proposta nacionalista de defesa do território. Aliás, o viés documental, é proposta chave do cinema da época: menos vale o roteiro dos filmes – apesar que Sanjinés foi brilhante no seu –, do que o retrato social da América Latina feito pelas lentes desses diretores.
Esse recorte da sociedade foi proposto por quase todos diretores e produtores dos anos 1960. A Argentina tem seu documento histórico na Escola de Santa Fé, de Fernando Birri; Cuba, nas lentes de Gutierrez Alea; e assim por diante. Talvez o Brasil seja o país mais difícil de identificar apenas um diretor que retrate o país, uma vez que Glauber Rocha se propôs em criar um cinema universal.
A universalidade também parece eficaz na luta pela solidificação do cinema latino-americano. Dessa forma, Glauber se propõe a desmitificar oprimido e opressor, dominante e dominado. Ao criar um sujeito universal, ele repensa a organização da sociedade e modifica nossa concepção histórica de que o povo latino-americano sempre será oprimido.
Renan Damasceno Em fins da década de 50 e início dos anos 60, o cinema produzido na América Latina, especiamente no Brasil, Argentina, Chile e Cuba, foi definido como uma nova corrente cinematográfica que buscava pensar e trabalhar o cinema de forma diferenciada, que retratasse a realidade e os problemas terceiromundistas. Os filmes deveriam ser caracterizados como um instrumento de militância política. Tal movimento ficou conhecido como Nuevo Cine Latinoamericano.A linguagem usada nos filmes deveria ser gerada dentro dessa nova realidade e a necessidade de mudança se fazia urgente, pois os moldes da estética hollywoodiana era burguesa, imperialista e opressora.
Em detrimento à cinematografia estadunidense, os filmes terceiromundistas deveriam ser tal qual a nossa realidade: imperfeito, feio, errado. Mais preocupado com o conteúdo do que com a forma. Como afirma Fernando Birri: deveria ser um cinema desalinhado.Do cinema soviético, Glauber extraiu os princípios e experimentações da montagem. O cinema liberto de enredo (A idade da terra, 1980), metafórico (Terra em Transe, 1967) e ensaístico de Einsenstein e a exposição do espectador a uma ação sensorial ou psicológica, proposto pela "montagem de atrações" (Câncer, 1972).
Do cinema de autor, proposto por Bazin, sorveram a idéia do cineasta enquanto agente que interfere diretamente no registro da realidade através da sua subjetividade. Alguns cineastas foram além dessa idéia de autorismo se organizando em grupos que pretendiam mostrar, não apenas seu olhar individual, mas de toda uma nação.Sob a teoria do cinema de poesia de Buñuel, Glauber Rocha trilhou novos caminhos para a arte revolucionária latino-americana em sua Eztétika do Sonho. Um equilíbrio entre subjetividade e objetividade, concreto e onírico.
Por fim, no neo-realismo italiano, o Nuevo Cine tem sua maior inspiração. Extrairam as técnicas de documentário e a utilização de equipamentos leves que propiciavam maior mobilidade para as filmagens externas.
Pantaleão e as visitadoras (dir. Francisco Lombardi. 1999)
- À primeira impressão, a versão cinematográfica do clássico de Vargas Llosa, Pantaleão e as Visitadoras, parece uma 'pornochanchada', no melhor estilo brasileiro, com pitadas de erotismo e muito humor. Ambientado no meio da Amazônia Peruana, os planos muito se assemelha aos de Fitzcarraldo, de Werner Herzog. Enfim, um realismo fantástico, assinado por Llosa e adaptado à risca pelo diretor Francisco Lombardi.
"Pantaleon y las visitadoras", (Vargas Llosa, em 1973), foi a forma encontrada pelo escritor peruano de criticar as hipocrisias do poder e da sociedade. O resultado: o defronte entre o exército, guardião da moral e protetor da pátria, e a profissão mais antiga do mundo, prostituição. A narrativa: Realismo Fantástico, assinado pelo escritor que mais representa o país no exterior. Uma mistura de realidade e ficção. Personagens reais em situações surreais.
O humor é irretocável. Característica de Llosa que o diferencia de grandes escritores latinos, de escrita semelhante, como Garcia Márquez e Júlio Cortázar.
Em 1975, o livro foi transformado em roteiro e co-dirigido pelo próprio autor. A nova versão (foto) foi o único filme produzido no país vizinho, em 1999. Venceu o prêmio Goya de melhor película estrangeira falada em espanhol e ganhou sete Kikitos de Ouro, em Gramado.
Além de Pantaleon, "A cidade e os cachorros", de Llosa, também foi adaptado para o cinema.
Madeinusa (dir. Cláudia Llosa. 2006)
Deus está morto. O filme é vermelho, cor do sangue que escorre da virgem Madeinusa, que no Dia Santo é prometida ao próprio pai. A loucura, inquieta. A inocência, perdida. A submissão, eterna. Com os valores religiosos acima dos valores humanos, a hipocrisia segue escondida atrás das Cordilheiras Brancas, longe dos olhos de Deus. Um filme curioso, mas não deixa de ser interessante. Madeinusa é uma menina de 14 anos que vive no vilarejo de Manayaycuna, localizado em algum ponto remoto das montanhas da Cordilheira Branca peruana. Os habitantes, são conhecidos pelo fervor religioso e por um estranho ritual, celebrado tradicionalmente todos os anos. Para eles da Sexta-Feira Santa ao Domingo de Páscoa o pecado não existe, pois Deus está morto.
Assim todas as pessoas do povoado podem fazer o que quiserem no decorrer desses dias, sem nenhum remorso ou culpa. Porém a chegada acidental do jovem geólogo Salvador, justamente na véspera da celebração, desperta a curiosidade de Madeinusa.
“Espero que o sinhô tenha tirado uma lição. Que assim mal dividido esse mundo anda errado, Que a terra é do Homem, Não é de Deus nem do Diabo" . (João Guimarães Rosa)
Misticismo e fanatismo cego estão no centro da obra que projetou Glauber Rocha. “Deus e o Diabo na terra do sol” retrata as alucinações, as visões e a loucura que a fome, a miséria e a ignorância podem inspirar num povo desesperado.
Glauber narra a realidade nordestina na pele de Manuel, vítima do coronelismo, marcado pela seca e entregue às profecias e ao fanatismo dos homens, dividido - sem nenhuma conduta – entre Santo Sebastião (o profeta negro que promete que o sertão vai virar mar) e Corisco (o cangaceiro que faz justiça com suas mãos, por si e em nome de Lampião).
Assim, fundem-se as imagens de Deus e o Diabo na pele desses dois homens marcados pela loucura e pela solidão da seca (que no filme fica mais evidente pela voz de Othon Bastos narrando as duas personagens). A missão de exterminar Deus e o Diabo fica a encargo de Antônio das Mortes.O homem sem crença e livre, dono de sua própria lei. Reside na carabina de Antonio das Mortes o ideal libertário e revolucionário do filme. Exterminados o profeta e o cangaceiro, seria o primeiro passo para a saga da libertação do povo nordestino, uma revolução social tirando-os da ortodoxia, das promessas de salvação e da opressão religiosa.
Os paradoxos apresentados em Deus e o Diabo na Terra do Sol - entre a morte de Deus e a valorização do homem - marcam uma das características das obras do Cinema Novo, inspirado em obras francesas e principalmente no realismo Italiano (com Rosselini sendo seu grande inspirador).A valorização do homem e sua cultura como única forma de libertação é o que busca a estética cinema-novista, renegando a forma hollywoodiana, criando uma forma essencialmente brasileira de fazer cinema.
O realismo é presente no cenário do filme.O sol escaldante, o gado morto e as pedras no solo seco demarcam o caminho da lenta procissão de êxodo nordestino em busca da terra longínqua onde “choverá ouro e pedra se transforma em pão”.Os simbolismos religiosos são representados de forma crua com o sacrifício em nome de Deus, a purificação da alma com o sangue de um recém nascido e a imagem bíblica da mulher traidora na pele de Rosa, esposa de Manuel.O povo de Morro Santo vê-se preso entre a cruz e a espada, entre a profecia e a realidade sertaneja.
Enfim, fugindo das dimensões divinas e satânicas, entre Deus e o Diabo, jaz o homem, dono de sua própria história e da busca incessante pela liberdade.
Ficha Técnica: Título Original: Deus E O Diabo Na Terra Do Sol Gênero: Drama Tempo de Duração: 125 min. Ano de Lançamento (Brasil): 1964 Direção: Glauber Rocha Roteiro: Glauber Rocha e Walter Lima Jr. Fotografia: Waldemar Lima
Elenco: Geraldo Del Rey ( Manuel) Othon Bastos ( Corisco) Maurício do Vale ( Antônio das Mortes) Yona Magalhães (Rosa) Lídio Silva ( Santo Sebastião)