quarta-feira, dezembro 31, 2008

FUTEBOL E PAIXÃO - ENTREVISTA - JUCA KFOURI

Para fechar bem 2008, vou lançar uma série de entrevistas com três dos maiores cronistas esportivos da atualidade, que tive oportunidade de trocar e-mails nos últimos meses. O assunto permitiu uma análise do jornalismo esportivo atual e como o 'empobrecimento' deste pode influir na própria relação torcedor/esporte.

As perguntas que guiaram o trabalho – compartilhada por Paulo Vinicius Coelho –, foram: uma crônica desprovida de paixão pode jogar na vala comum atletas importantes da nossa história como Romário, Bebeto, Dunga, etc.? Esses jogadores também poderiam ganhar status quase 'sobre-humanos', como os campeões dos três primeiros mundiais pela Seleção, caso fossem descritos por jornalistas como Nelson, Armando Nogueira e Mário Filho?

A dissertação evidenciou as principais mudanças do gênero nos últimos 50 anos. Foram analisados textos de Tostão, Daniel Piza, Torero, Kfouri e Kelen Cristina, sob a luz de Nelson. Enfim, nossa crônica esportiva empobreceu ou não?

Você acredita em um empobrecimento da crônica esportiva atual, quando comparada aos textos da década de 1950, assinados por Nelson Rodrigues, Mário Filho, Armando Nogueira?

Juca Kfouri – Sem dúvida, porque, então, existia o “cronista” esportivo, coisa que hoje tem apenas mestre Armando Nogueira como representante. Mas me pergunto se nesta época de pouco tempo para leitura, de necessidade de informação, se seria mesmo possível manter o estilo dos citados. Ainda mais que eles se beneficiavam do fato de nem existir o videotape...

Nas crônicas em que o enredo gira em torno de um personagem, como você faz a escolha e quais os critérios utilizados? Esse tipo de enredo, com um personagem principal, é bastante utilizado?

JK – Eu raramente uso esse artifício, principalmente no quente de uma rodada. A menos que seja uma atuação assim como a do Zidane, contra o Brasil, na Copa passada. Ou que haja um drama pessoal como um frango decisivo de São Marcos.

Qual a prioridade em suas crônicas (comentário dos jogos, análise tática). E como o leitor reage: faz críticas, sugestões de pauta? A interatividade com o leitor ajuda na escolha da pauta do dia?

JK – A interatividade ajuda no blog, no jornal não. Eu prefiro tratar de bastidores e de emoções e não gosto muito da análise tática, porque ainda acho que o talento é que decide.

Uma crônica desprovida de paixão é capaz de jogar na vala comum atletas que merecem um lugar na história? Jogadores como Rivaldo, Ronaldo, Romário, Bebeto e Dunga, que deram ao país o quarto e o quinto título mundial, e que jamais foram tratados com a reverência dedicada aos campeões de 1958, 1962 e 1970, tiveram tratamento adequado pelos cronistas atuais?

JK – Os três primeiros, sem dúvida. Há belíssimos textos sobre todos eles. Bebeto e Dunga são, de fato, personagens menores.

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Juca Kfouri, 67, é o cronista esportivo brasileiro mais influente da atualidade. Formado em Ciências Sociais, trabalha com esportes desde a década de 1970, quando foi convidado para ser chefe de reportagem da Placar. Tem um defeito: é corintiano. Escreve na Folha de São Paulo e no Blog do Juca, apresenta programas na rádio CBN e na ESPN Brasil. Respondeu à entrevista, por e-mail, em outubro de 2008.

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O blogue moviolaposmoderna foi destaque no Blog do Noblat nesta terça-feira, 30 de dezembro. O jornalista – blogueiro mais acessado do gênero no país – dedicou um post de indicação para esta página, como recomendação de leitura. Agradeço ao Ricardo Noblat, um dos meus guias no exercício da profissão, e ao companheiro Leo Quintino, que apresentou minha página a ele.

Agradeço também aos mais de 200 visitantes, que renderam o número recorde de 400 pageviews em um só dia. Continuem por aqui. Espero que tenham gostado.

Posts novos no forno.

Abraço!
Renan Damasceno

terça-feira, dezembro 30, 2008

CANAL 100 - Imagens líricas do futebol


"Foi a equipe do CANAL 100 que inventou uma nova distância entre o torcedor e o craque, entre o torcedor e o jogo, grandes mitos do nosso futebol, em dimensão miguelangesca, em plena cólera do gol. Suas coxas plásticas, elásticas enchendo a tela. Tudo o que o futebol brasileiro possa ter de lírico, dramático, patético, delirante..." Nelson Rodrigues.

Sobretudo, o cinema mostrou seu valor à sociedade ao registrar e imortalizar os fatos dos últimos 112 anos, ao retratar as mudanças culturais, políticas e sociais desse período – e, ao recriar e representar a história da humanidade, tornar-se fonte confiável de um tempo antecessor à sua própria criação.

Antes mesmo de assumir o formato no qual o conhecemos hoje, em 1916, com Griffith, o cinema já padecia de uma cruel dúvida: enveredava ao registro fiel da sociedade, tal Lumiére, ou partia para um mundo abstrato, lírico, onírico, que não podíamos alcançar, à exemplo de Mélies?

Felizmente, fez os grandes mestres do cinema que essas duas vertentes, antes incompatíveis, pudessem se juntar mais adiante (como em Borges, em Ficciones, as veredas se bifurcam). Nasceram os cinejornais que, num período pré-televisão, transmitiam os acontecimentos entre uma edição e outra (notícias) utilizando os recursos grandiosos das imagens de cinema.

Daí nasceram mitos. No Brasil, pelas lentes das câmeras do Canal 100, Pelé foi entronado Rei; Garrincha virou anjo das pernas tortas e Zizinho tornou-se herói. Chefiado pelo diretor Carlos Niemeyer, a produtora funcionou até 1985, quando o governo de Figueiredo (influenciado por lobistas ligados ao cinema americano) cortou as verbas e inviabilizou a produção.

Ao estudar o jornalismo esportivo da década de 1950, em meu trabalho de conclusão de curso, descobri que o Canal 100, ao lado das crônicas de Nelson, Armando Nogueira e Mário Filho, são alguns dos poucos registros de uma época que o futebol era fascinante, grandioso, mítico.

Vale conferir o site do canal 100 e seu arquivo de vídeos. Assistir aos dribles de Garrincha, aos lançamentos de Gérson, à genialidade de Tostão. Conferir jogos memoráveis, como a vitória do Cruzeiro, de Evaldo, Natal e Dirceu Lopes, sobre o Santos, de Pelé, por 6 a 2, na final da Taça Brasil, em 1966.
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+ Futebol no blog

domingo, dezembro 28, 2008

Café com TaNGO




Estréia nos cinemas brasileiros Café dos Maestros, primeiro longa do diretor argentino Miguel Kohan. Entre ensaios e performances ao vivo, o filme monta um mosaico da cultura do tango. Grandes artistas como Leopoldo Federico, Lágrima Rios, Aníbal Rios, José Libertella e Luis Stazo ensaiam para uma apresentação ao vivo de gala no Teatro Colón, na capital argentina. Eles possuem diferentes estilos, diferentes origens. Conversam, contam histórias e Miguel Kohan vai montando o que é muito mais do que um documento sobre esse ritmo que é tão importante para os argentinos quanto o samba para os brasileiros.

(Agência Estado, 26/12/2008)

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+Música latina no blog
Buena Vista Social Club
+Sobre o filme na rede
Estadão – Filme faz um tributo ao tango
La Nación –Los ases del tango




terça-feira, dezembro 16, 2008

O Jazz na tela grande


O Estadão.com disponibilizou na seção multimídia dois podcasts intitulados O Jazz na tela grande. O jornalista Emerson Lopes, responsável pela série Jazzy, listou uma gama de músicas e músicos que estreitaram a relação entre esse gênero musical e o cinema. Os áudios estão divididos em duas partes, em mais de duas horas de programa.


Filmes como Bird, de Clint Eastwood, que conta a trajetória do saxofonista Charlie Parker – ao lado de Dizzy Gillespie, o pais do bebop, em fins dos anos 1940 –, e as trilhas sonoras de Hary e Sally e A era do rádio estão no cardápio.

Forest Whitaker, que foi genial ao reviver o inferno astral sob efeito de heroína de Parker, em Bird, vai novamente interpretar um dos grandes nomes do jazz: Louis Armstrong, em What a Wonderful World, sem previsão de estréia. A cinebiografia autorizada do trompetista será produzida pelo estúdio francês Legende – o mesmo de La vie en Rose, sobre Edith Piaf.

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sexta-feira, dezembro 12, 2008

Supermercado de produtos culturais


Dizem por aí que já não se faz jornalismo cultural como antigamente, com textos extensos, críticas mordazes e perfis minuciosos e densos. Aliás, falam por todos os cantos que tudo que é bom está morrendo: o futebol arte, o cinema como arte, a arte.

Encontram fundamentos para julgar os cadernos de cultura atuais, os críticos que destacam que essas páginas tem se transformado em um aglomerado de textos de serviços. Talvez isso seja reflexo da própria cultura: se vende um espetáculo, um filme. Lógica do consumo. Lobão – que está longe de ser um grande ídolo meu –, já esbravejou uma frase sintomática: 'A arte se torna arte ao ser consumida'.

A Folha está comemorando os 50 anos do caderno Ilustrada. Uma série de debates sobre o passado e o futuro da cultura e do jornalismo ocorre no MASP, em São Paulo, que pode ser acompanhado na íntegra no Folha Online.

Aos fãs das rodas de boa conversa, abaixo está o vídeo integral da discussão sobre "Cultura e Jornalismo" – o último de três debates. Estão presentes, Ruy Castro e Martinas Suzuki. Vale a pena.





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+ jornalismo cultural no blog:
A arte dos obituários
+ jornalismo cultural na rede:
Ilustrada – Especial 50 anos
Gonzo – O filho bastardo do newjournalism
+ download:
Baixe o livro Jornalismo Cultural (Fábio Gomes)

terça-feira, dezembro 09, 2008

Cine-mundi: Bolívia – A proposta libertária de Ukamau


Ukamau (dir. Jorge Sanjinés, 1966) é uma das mais instigantes e belas obras do rico cinema latino-americano da década de 1960. Com enredo envolvente, denuncia os atritos entre o povo andino e os mestiços – uma alegoria das reivindicações indígenas, tão maltratados pelos colonizadores.

A história gira em torno do assassinato da mulher de um camponês, a mando de um mestiço. Durante um ano, o aymara Andrés Mayta, arquiteta sua vingança. No dia escolhido, numa tomada aérea – que muito lembra a luta de Antônio das Mortes, em o Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, de Glauber –, os dois partem para a luta corpo a corpo.

Aí, o choque de genialidade de Sanjínes: em vez de dar ao camponês a chance de matar sem piedades o mestiço, propõe um luta, na qual o indígena dita as regras. Há uma inversão de valores sociais. Não há um triunfo pelo simples sabor da vingança e, sim, uma proposta libertária, que dá ao oprimido a chance de exercer o poder sobre o ex-opressor.

Em Ukamau, assim como em outros filmes da época, há uma ligação muito forte com a terra. Seja no arado, no cultivo, ou mesmo na proposta nacionalista de defesa do território. Aliás, o viés documental, é proposta chave do cinema da época: menos vale o roteiro dos filmes – apesar que Sanjinés foi brilhante no seu –, do que o retrato social da América Latina feito pelas lentes desses diretores.

Esse recorte da sociedade foi proposto por quase todos diretores e produtores dos anos 1960. A Argentina tem seu documento histórico na Escola de Santa Fé, de Fernando Birri; Cuba, nas lentes de Gutierrez Alea; e assim por diante. Talvez o Brasil seja o país mais difícil de identificar apenas um diretor que retrate o país, uma vez que Glauber Rocha se propôs em criar um cinema universal.

A universalidade também parece eficaz na luta pela solidificação do cinema latino-americano. Dessa forma, Glauber se propõe a desmitificar oprimido e opressor, dominante e dominado. Ao criar um sujeito universal, ele repensa a organização da sociedade e modifica nossa concepção histórica de que o povo latino-americano sempre será oprimido.

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segunda-feira, dezembro 08, 2008

O Lado B das coisas


Depois de quase um mês mergulhado nos textos de futebol de Nelson Rodrigues, sem tempo para qualquer outra atividade – inclusive para um melhor acabamento deste humilde blogue –, retomo o andamento desta página sem muitas promessas de fim de ano. De novidade somente o nome, que mudou para Moviola Pós-Moderna, as colaborações e as atualizações, que serão mais constantes, já que não tenho mais as atribuições de universitário (enfim, 98,5% jornalista).

O nome foi escolhido uma vez que o anterior (espacopinião) não fazia mais sentido – se algum dia fez. Moviola é uma marca de equipamentos cinematográficos que se tornou sinônimo de mesa de montagem. Nela, o rolo do filme passa por um visor, que permite ao montador assistir, cortar e colar os frames. Coisa de russo, que, aliás, entendiam tudo de montagem – Einsenstein e Vertov não me deixam mentir.

Já o ‘pós-moderno’, como tudo que é pós-moderno, serviu como adjetivo para algo que não tem definição correta. Como esse blogue sempre foi um baú asiático, sem muitas pretensões ou objetivos, casa-se perfeitamente.

Por fim, nada aqui será tão moderno ou pós-moderno (para o azar de quem procura coerência). Retorno à missão de escrever sobre filmes pouco vistos, temas nada discutíveis e assuntos pouco interessantes.

Agradeço às 9.000 visitas nos dois anos da primeira era dessa página. Continuem por aqui. Abraços.
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Foto: arquivo Alessandro Bastos. Excelente fotógrafo de portifólio invejável. Clique aqui para ver o site, e aqui para acessar seu multiply.

Leon Hirszman - Deixa que eu falo...


Responsável pela organização e relançamento da obra de Leon Hirszman, o montador Eduardo Escorel não poderia ter escolhido forma melhor de homenagear o diretor, morto em 1987: Deixa que eu falo – exibido no Forumdoc.bh, ainda não lançado em circuito comercial –, destaca-se pela riqueza de imagens de arquivo, que ditam por si só o andamento do documentário.

O título foi escolhido para que Escorel não se colocasse na posição de narrador onipresente sobre a vida e obra de um amigo tão íntimo. O subterfúrgio narrativo foi atribuir ao próprio Leon as coordenadas, em uma espécie de documentário póstumo. Para isso, Escorel resgatou entrevistas e arquivos pessoais do diretor e “deixou que ele falasse”.

Segundo o diretor, o documentário não teve roteiro e foi construído a partir da pesquisa de material. Tratando-se de um exímio montador, Escorel organiza 70 minutos de filme com fragmentos que fogem da própria realidade e filmografia de Hirszman: para falar da chegada da família de Leon ao Brasil, utiliza trechos de O Imigrante (Chaplin, 1917), para citar a relação do diretor com os grevistas do ABC Paulista, evoca imagens de A Greve (Eisenstein, 1924).

Deixa que eu falo se destaca por falar muito em pouco tempo. É uma viagem ao mais íntimo de Leon Hirszman – um dos mais importantes nomes da cultura brasileira e um dos fundadores do Cinema Novo –, sem cair no lugar comum de tantos documentários biográficos.
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+ Cinema Novo neste blog:
- Breve biografia diGlauber
- Clássicos do cinema brasileiro: Vidas Secas
+ Vídeos
- Assista ao curta Partido Alto, dirigido por Hirszman, em 1982
- Assista ao trailer de Eles Não Usam Black Tie, de 1981
+ Leon na rede
- Site oficial do diretor

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domingo, dezembro 07, 2008

Agrippino nas Panaméricas de Áfricas utópicas


José Agrippino de Paula deixa qualquer cinema alternativo dito ‘underground’ no chinelo. Comparado às suas produções, Sganzerla e o cinema marginal tornam-se Hollywood. Assisti um de seus filmes há poucas semanas: Hitler terceiro mundo, de 1968, uma obra futurista e visionária, fragmentada em blocos desconexos, com direito a Jô Soares, em papel de samurai, e participação de Zé Ramalho.

Aliás, tudo parece de vanguarda em Agrippino: seja no teatro, no cinema ou em seu mais conhecido livro: “PanAmérica”, de 1967, relançado pela Editora Papagaio. Essa obra de contracultura tem como protagonistas Marilyn Monroe, Che Guevara, Cecil B. de Mille, Marlon Brando John Wayne, entre outros ícones da cultura de massa. Eles participam de uma filmagem de episódios da Bíblia, interagindo com o narrador em primeira pessoa em uma atmosfera alucinógena.

Morreu ano passado, aos 69 anos, de infarto, em Embu, onde morava envolto de livros antigos, traças e teias de aranha, recluso e sem qualquer ligação com a tecnologia.

Fiz esse post para linkar um excelente curta sobre o autor. Abaixo em duas partes.

Passeio nos recantos silvestres – Parte 1



Passeio nos recantos silvestres – Parte 2



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+ Autores do cinema brasileiro neste blog
O cinema gritante de Ana Carolina
+ Agrippino na rede
Veja: Leia o perfil de Agrippino
Revista Trópico: Ficção contracultural brasileira
Folha de S. Paulo: Takes impressionistas