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terça-feira, abril 14, 2009

Levante no interior – História do cinema em Alfenas


Em 1967, Glauber Rocha, o maior de nossos cineastas, já havia escancarado nossa fome e alçava voos mais arrojados e alegóricos ao esmiuçar nossa Terra em Transe. Na França, Godard antecipava a revolução em La Chinoise e terminava ali, na minha opinião, seu ciclo genial, no qual retomaria duas décadas depois com Je Vous Salue, Marie. Antonioni, já o maior italiano da década, partia para a Inglaterra para discutir o conceito da imagem em Blow Up – rodado um ano antes. Buñuel se rendia às tardes parisienses em A belle de jour. A liberdade da América-on-the-road chegava aos cinemas com Easy Rider e, aqui, a liberdade estava com seus dias contados à espera do AI-5.

O cinema brasileiro não decidia se continuava Novo ou trazia de volta as chanchadas, desta vez pouco mais apimentadas. Alguns, como Sganzerla, preferiram embrulhar tudo, jogar na lata de lixo e expor as entranhas das metrópoles que nasciam. Sufocados pelo regime, que estreitava o espaço da produção cultural, os artistas tiveram de se virar e arrumar um sem fim de metáforas para falar o que queriam. Conseguiram. Afinal, a dita era burra.

Embora as principais manifestações estivessem nas capitais, o interior se fez valer. No mesmo ano que Glauber, Godard e o cinema americano falavam em liberdade, poder e manifestações, o texto “Levante das saias”, do teatrólogo Valdir de Luna Carneiro, de Alfenas, Sul de Minas, ganhava versão nas telas, sob a direção de Ismar Porto. A história se mostra atual e visionária, ao trazer à tona o feminismo, antecipar as passeatas e greves francesas, a proteção da igreja aos perseguidos e o fenômeno da industrialização que rumava, tardiamente, ao interior do país.

O texto é simples e pontual. O enredo se passa na fictícia Palha Verde (Alfenas). Um empresa se instalara na cidade e a esposa do dono do negócio está prestes a cair nas garras do garanhão. Com medo de perder o investimento e a fim de resguardar a honra das mulheres, o prefeito e os homens de bem decidem expulsar o galã de Palha Verde. Apoiadas pela igreja, as mulheres se reunem e saem às ruas em defesa do galanteador. Não vou contar o final. Toda essa deliciosa comédia muito bem amarrada e com diálogos enxutos e rápidos.

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Os detalhes da produção, as histórias e entrevistas sobre o filme serão apresentados na primeira edição da nossa revista eletrônica, que ainda está no forno. As reuniões – às duras penas, discussões e cafés –, ainda estão decidindo o rumo desta nova empreitada.
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Estive com Valdir de Luna no último fim de semana, em Alfenas. Em uma ótima tarde de conversa, falamos de literatura, cinema e jornalismo. Fui presenteado com alguns livros seus, entre eles “Sex...teto”, que originou o filme, e o primeiro volume de Teatro Completo, organizado e editado pela prefeitura local.
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Na imagem está o pedido de censura ao filme, liberado como “impróprio para menos de 18 anos e livre para exportação”, em 18/12/1967.


terça-feira, dezembro 09, 2008

Cine-mundi: Bolívia – A proposta libertária de Ukamau


Ukamau (dir. Jorge Sanjinés, 1966) é uma das mais instigantes e belas obras do rico cinema latino-americano da década de 1960. Com enredo envolvente, denuncia os atritos entre o povo andino e os mestiços – uma alegoria das reivindicações indígenas, tão maltratados pelos colonizadores.

A história gira em torno do assassinato da mulher de um camponês, a mando de um mestiço. Durante um ano, o aymara Andrés Mayta, arquiteta sua vingança. No dia escolhido, numa tomada aérea – que muito lembra a luta de Antônio das Mortes, em o Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, de Glauber –, os dois partem para a luta corpo a corpo.

Aí, o choque de genialidade de Sanjínes: em vez de dar ao camponês a chance de matar sem piedades o mestiço, propõe um luta, na qual o indígena dita as regras. Há uma inversão de valores sociais. Não há um triunfo pelo simples sabor da vingança e, sim, uma proposta libertária, que dá ao oprimido a chance de exercer o poder sobre o ex-opressor.

Em Ukamau, assim como em outros filmes da época, há uma ligação muito forte com a terra. Seja no arado, no cultivo, ou mesmo na proposta nacionalista de defesa do território. Aliás, o viés documental, é proposta chave do cinema da época: menos vale o roteiro dos filmes – apesar que Sanjinés foi brilhante no seu –, do que o retrato social da América Latina feito pelas lentes desses diretores.

Esse recorte da sociedade foi proposto por quase todos diretores e produtores dos anos 1960. A Argentina tem seu documento histórico na Escola de Santa Fé, de Fernando Birri; Cuba, nas lentes de Gutierrez Alea; e assim por diante. Talvez o Brasil seja o país mais difícil de identificar apenas um diretor que retrate o país, uma vez que Glauber Rocha se propôs em criar um cinema universal.

A universalidade também parece eficaz na luta pela solidificação do cinema latino-americano. Dessa forma, Glauber se propõe a desmitificar oprimido e opressor, dominante e dominado. Ao criar um sujeito universal, ele repensa a organização da sociedade e modifica nossa concepção histórica de que o povo latino-americano sempre será oprimido.

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segunda-feira, outubro 16, 2006

Breve Biografia De Glauber Rocha

Por: Renan Damasceno

Glauber Andrade Rocha nasceu em 1939 na cidade de Vitória da Conquista, na Bahia. Aos oito anos, mudou-se com a família para Salvador, ingressando no Colégio Presbiteriano 2 de Julho, um dos mais tradicionais da capital baiana. Desde cedo, Glauber mostrou vocação para as artes, escrevendo e atuando em peças teatrais. Aos 10 anos, escreve sua primeira peça, El Ijito de Oro, escrita em espanhol e encenada no próprio Colégio Presbiteriano.

Durante a década de 50, Glauber continuou escrevendo e atuando, além de participar de programas de rádio como crítico de cinema. Cursou Direito por um ano na Faculdade Federal da Bahia, foi repórter policial e colaborou em diversas revistas e jornais.Em 1958, filma Pátio, que não foi finalizado devido à falta de sonorização.

Influenciado pela Esquerda Comunista, pelo cinema revolucionário de Sergei Eisenstein e pelo neo- realismo italiano de Rosselini e Pasolinni, Glauber despertou um novo olhar crítico sobre a cultura e a política brasileira. Queria uma arte engajada, que defendesse o Brasil do imperialismo estadunidense e do domínio do cinema roliudiano. Suas viagens pelo interior do nordeste com seu pai, o comerciante Adamastor Rocha, o fez conhecer a verdadeira realidade brasileira.

Na década de 60, o cinema brasileiro passou por uma grande revolução. As telas, antes dominadas pelos filmes de comédia e pelas grandes produções do estúdio Atlântida, dão lugar ao cinema revolucionário, liderado por Glauber, conhecido como Cinema Novo. Aderem-se ao movimento os cineastas Cacá Diegues, Arnaldo Jabor, Joaquim Pedro de Andrade e Nelson Pereira dos Santos, que dirigiu Rio 40 graus, em 1953, considerado o precursor desse novo jeito de fazer cinema.

“Uma idéia na cabeça e uma câmera na mão”, está foi a frase que deu identidade ao movimento. Em 1963, Glauber dirige “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, considerado uma obra-prima do cinema brasileiro, que denuncia o misticismo cego e a realidade nordestina.Três anos mais tarde, dirige “Terra em Transe”, com grande elenco, entre eles Mário Lago, Paulo Autran e Paulo Gracindo. O filme foi considerado subversivo e proibido de ser exibido em território nacional, alegando ofensa à Igreja Católica.Completando a trilogia das grandes obras do diretor, “O Dragão da Maldade contra o santo guerreiro”, que rendeu a Glauber o prêmio de melhor diretor no prestigiado Festival de Cannes, na França.Ainda na década de 60, o diretor filma o documentário “Maranhão 66”, que registra a posse de José Sarney como governador no estado.

Em 1971, Glauber parte para o exílio e dirige filmes internacionais como o espanhol “Cabeças Cortadas” e o italiano “O leão de sete cabeças”, sem muito sucesso. A ferocidade crítica de seus três grandes sucessos da década anterior é menos visível em seus seis longas-metragens da década de 70.Foi novamente premiado em Cannes pelo curta DiCavalcanti DiGlauber, filmado durante o funeral do pintor brasileiro DiCavalcanti.Seu último filme foi “A Idade da Terra”, criticado durante sua estréia no Festival de Veneza, em 1980.


Glauber faleceu em 1981, aos quarenta e dois anos, no Rio de Janeiro, vítima de septicemia, um choque bacteriano causado por uma broncopneumonia. Lutou pela solidificação da cultura nacional, pela liberdade e pela democracia.Mostrou para o Brasil o Brasil que pouca gente conhece.

Filmografia:

1980 - A idade da terra
1979 - Jorjamado no cinema
1976 - Di Glauber
1975 - Claro
1974 - As armas e o povo
1974 - História do Brasil
1972 - Câncer
1970 - Cabeças cortadas
1970 - O Leão de Sete Cabeças
1968 - O Dragão da maldade contra o santo guerreiro
1967 - Terra em transe
1966 - Maranhão 66
1963 - Deus e o diabo na terra do sol
1960 - Barravento
1959 - O pátio

Assista aos Vídeos na Íntegra:

DiCavalcanti DiGlauber
Documentário Manifesto Glauber

terça-feira, fevereiro 28, 2006

A metáfora libertária de Glauber.

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“Espero que o sinhô tenha tirado uma lição.
Que assim mal dividido esse mundo anda errado,
Que a terra é do Homem,
Não é de Deus nem do Diabo" .
(João Guimarães Rosa)

Misticismo e fanatismo cego estão no centro da obra que projetou Glauber Rocha. “Deus e o Diabo na terra do sol” retrata as alucinações, as visões e a loucura que a fome, a miséria e a ignorância podem inspirar num povo desesperado.

Glauber narra a realidade nordestina na pele de Manuel, vítima do coronelismo, marcado pela seca e entregue às profecias e ao fanatismo dos homens, dividido - sem nenhuma conduta – entre Santo Sebastião (o profeta negro que promete que o sertão vai virar mar) e Corisco (o cangaceiro que faz justiça com suas mãos, por si e em nome de Lampião).

Assim, fundem-se as imagens de Deus e o Diabo na pele desses dois homens marcados pela loucura e pela solidão da seca (que no filme fica mais evidente pela voz de Othon Bastos narrando as duas personagens). A missão de exterminar Deus e o Diabo fica a encargo de Antônio das Mortes.O homem sem crença e livre, dono de sua própria lei. Reside na carabina de Antonio das Mortes o ideal libertário e revolucionário do filme. Exterminados o profeta e o cangaceiro, seria o primeiro passo para a saga da libertação do povo nordestino, uma revolução social tirando-os da ortodoxia, das promessas de salvação e da opressão religiosa.

Os paradoxos apresentados em Deus e o Diabo na Terra do Sol - entre a morte de Deus e a valorização do homem - marcam uma das características das obras do Cinema Novo, inspirado em obras francesas e principalmente no realismo Italiano (com Rosselini sendo seu grande inspirador).A valorização do homem e sua cultura como única forma de libertação é o que busca a estética cinema-novista, renegando a forma hollywoodiana, criando uma forma essencialmente brasileira de fazer cinema.

O realismo é presente no cenário do filme.O sol escaldante, o gado morto e as pedras no solo seco demarcam o caminho da lenta procissão de êxodo nordestino em busca da terra longínqua onde “choverá ouro e pedra se transforma em pão”.Os simbolismos religiosos são representados de forma crua com o sacrifício em nome de Deus, a purificação da alma com o sangue de um recém nascido e a imagem bíblica da mulher traidora na pele de Rosa, esposa de Manuel.O povo de Morro Santo vê-se preso entre a cruz e a espada, entre a profecia e a realidade sertaneja.

Enfim, fugindo das dimensões divinas e satânicas, entre Deus e o Diabo, jaz o homem, dono de sua própria história e da busca incessante pela liberdade.

Ficha Técnica:
Título Original: Deus E O Diabo Na Terra Do Sol
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 125 min.
Ano de Lançamento (Brasil): 1964
Direção: Glauber Rocha
Roteiro: Glauber Rocha e Walter Lima Jr.
Fotografia: Waldemar Lima

Elenco: Geraldo Del Rey ( Manuel) Othon Bastos ( Corisco) Maurício do Vale ( Antônio das Mortes) Yona Magalhães (Rosa) Lídio Silva ( Santo Sebastião)