segunda-feira, dezembro 03, 2007

Kubrick - O filósofo do cinema visual (I)

Renan Damasceno

*Especial para a coluna "Tremendões" do site Delfos

Poucos diretores conseguiram construir ao longo do tempo uma filmografia tão densa e autônoma quanto Stanley Kubrick (1928-1999). Perdoem-me os novos aficionados e admiradores dos cinemas “alternativos”, que lotam as salas em sessões de cineclubes, que insistem em estabelecer uma linha que divide o “cinema comercial” do “c
inema de arte”. Mas se há essa linha, Kubrick, assim como Alfred Hitchkock, Billy Wilder..., caminhou sobre os dois trilhos: financiado por grandes produtoras que não interferiram na genialidade e autonomia da obra.

De temperamento difícil e avesso à mídia, esse estadunidense do Bronx (NY) sempre dirigiu o que lhe parecia interessante – vide os hiatos entre suas produções, mais visíveis nas últimas obras. Seu início de carreira como fotógrafo da revista Look define a característica do seu cinema: profundamente visual, com planos longos e exaustivamente repetidos na gravação até alcançar a perfeição. A câmera é o próprio olho do diretor que vigia cada passo do ator e cada milímetro da cena.

(Ao ver seus filmes, imagino que nenhum plano poderia ser filmado sem ser daquela maneira, tamanha a precisão. Kubric trabalha, essencialmente, com o não “verbalizável”, o que nos permite sentir a imagem e a música”).

Sua filmografia não é extensa. De Fear and desire (1953) ao controverso e criticado Eyes wide Shut (De olhos bem fechados, 1999) foram 13 filmes, sendo O grande Golpe (1956) seu primeiro longa-metragem expressivo. Com uma narrativa não linear, o filme é considerado influência para obras como Pulp Fiction (de Quentin Tarantino,1994) e outros filmes do “neobrutalismo”, ( décadas de 80/90).

Em 1957, lança Glória Feita de Sangue, considerado por muitos o melhor filme sobre a Primeira Guerra de todos os tempos, estrelado por Kirk Douglas. Após ordenar um ataque suicida, o general do grupo escolhe três soldados que vão ser condenados à morte. Kubrick viaja pelo lado humanista, pelos rostos dos combatentes e denuncia os absurdos e as insanidades da guerra. O zoom, comum em suas obras, nos aproxima dos soldados e mergulhamos em seus sentimentos, fato inédito em filmes de guerra.

Spartacus (1960) é um filme épico e o primeiro de grande orçamento dirigido por Kubrick. Após o abandono do diretor original, Anthony Maan, a escolha do seu nome à direção, o confirma entre os grandes diretores de Hollywood e, a partir deste, sua característica de perfeccionista obsessivo.

Se a obra literária de Vladimir Nabokov é considerada um dos maiores romances do século XX, a adaptação de Kubick para o clássico Lolita (1962) esteve à altura. Mesmo sendo menos “quente” e mais cômico que o livro, Lolita é o espetáculo da regressão e da decadência do homem. A cena da morte de Clare Quilty - com uma brilhante atuação de Peter Sellers - , atrás do quadro, nos primeiros minutos do filme, é o retrato da falência da cultura européia e da sociedade contemporânea. A paixão do erudito escritor Humbert Humbert por uma garota de 14 anos é a prova da Impotência do ser humano, preso ao desejo sexual.

domingo, novembro 18, 2007

Kubrick - O filósofo do cinema visual (II)

De 1964 à 1971, Kubrick criou suas três obras primas: De viés político, criticou ácida e comicamente a Guerra Fria em Dr. Strangelove (1964); no ano em que o homem pisou na lua pela primeira vez, lançou 2001: Uma odisséia no espaço (1969), provando a incapacidade do homem em dominar suas próprias criações. Sexo e ultraviolência fazem parte do cotidiano do sujeito sem identidade pós-moderno, representado de Alex Delarge, em Laranja Mecânica (1971)

Doutor Fantástico (1964) é considerado por muitos críticos o início da segunda fase das obras de Kubrick. Já estabelecido na Inglaterra, desde a produção de Lolita, seu novo filme marca a passagem do cinema de caráter “humanista” para a fase da exploração dos mistérios humanos.

Dr. Fantástico é um clássico do humor negro, da crítica ao militarismo, à corrida armamentista e à banalidade em que os chefes de estado atribuem à guerra. Os bastidores da Guerra Fria são expostos e, por conseqüência, a total desmistificação do poder. Peter Sellers é, simplesmente, genial no papel de três personagens (um deles, o próprio Doutor Fantástico, um médico alemão que não consegue controlar seus extintos nazistas na cadeira de rodas, contorcendo-se todo para não saudar o presidente americano com a mesma predestinação que saudava seu fuher).

((Considero esse filme essencial para a cinemateca de qualquer cinéfilo. É visível o caráter crítico e peculiar que o diretor enxerga a humanidade e consegue adaptar para as telas os mais falhos extintos do Ser)). Em Dr. Fantástico, a relação homem-máquina é proposta pelo diretor e retomada no filme seguinte. Se em 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968) a máquina Hal 9000 substituiria os erros humanos, como a máquina perfeita que nunca comete falhas, a bomba construida pelo doutor Fantástico foge ao controle do homem, que nada pode fazer para impedir a bomba de destruir o planeta. A humanidade passa a ser vítima de sua própria criação.

Enigmático, revolucionário, impecável. Muitos são os adjetivos que podemos atribuir à obra-prima do cinema de ficção-científica 2001: Uma Odisséia no espaço. Não somente é o maior filme de ficção científica de todos os tempos, como a obra que redefiniu o gênero. Originalmente criado em 70mm o filme era pra ser assistido em Cinerama, uma espécie de tela em 180º que daria a sensação do espectador mergulhar na história, desde o átomo até o universo (Se na tela da Tv já ficamos fascinados, imagine dentro do filme).

A evolução (ou não-evolução) do homem, desde o macaco que descobre a ferramenta até o astronauta que se aventura pelo universo é marcada pela presença do enigmático monolito negro. Ele determina o tempo e a história, sua aparição sempre representa alguma mudança na evolução da espécie no planeta. A inteligência humana é substituída pela máquina Hal 9000. Em 2001, os homens pouco têm personalidade, inclusive, no filme, o único personagem carismático é o computador Hal. Único que fala de assuntos relacionados a sentimentos, mesmo afirmando não possuir algum. A máquina é superior aos falhos astronautas, mas mesmo assim oferece total obediência aos tripulantes da nave. A falha do computador é um mistério, é impossível deduzir se Hal detectou um erro em seu funcionamento ou sua atitude foi proposital. Mas uma vez o homem torna-se refém de sua própria criação.

Os planetas parecem movimentar-se ao som da música e os planos longos definem uma viajem visual única na história do cinema. É impossível não se impressionar com o universo de 2001.

Laranja Mecânica (1971) completa a trilogia de obras geniais de Kubrick. É o retrato do sujeito da pós-modernidade, uma não-identidade que se libera na violência e no sexo. Nada mais primitivo. Alex DeLarge (numa brilhante atuação de Malcom McDowell) é o líder de uma gangue de “drugues” , e sua principal diversão é a prática da violência e ouvir Beethoven, o que exemplifica a mobilidade do sujeito.

Com a inviabilidade das leis, no século XXI, novas formas de tratamento serão testadas.Alex será vítima de um tratamento de choque que cura a violência com a exibição exaustiva de cenas de própria violência. São tirados do homem os seus impulsos naturais, tornando-o um objeto vazio. Kubrick faz análises sociológicas e filosóficas impiedosas para o futuro do ser humano. O grande número de simbolismos no filme é prova disso. Um ser pós-moderno que vive da inconstância, da identidade móvel e do hedonismo.

A exibição do filme foi proibida na Inglaterra a mando de Kubrick, em resposta à avalanche de crítica recebida pelo excesso de violência.

sexta-feira, novembro 16, 2007

Kubrick - O filósofo do cinema visual (III)

A imprevisibilidade é característica na filmografia kubrickiana. Pois, do violento e polêmico Laranja Mecânica ao romântico Barry Lindon (1975) são apenas quatro anos.

A beleza plástica de Barry Lindon é única.Os planos se retirados do vídeo são verdadeiros quadros, pintados pelo perfeccionismo de Kubrick. O filme todo foi realizado com iluminação natural, descartando qualquer auxilio de luzes artificiais, inclusive nas cenas à luz de velas. É uma viajem pelo século XVIII ao som de Bach, Mozart e Schubert... Barry Lindon é a história da ascensão e queda de um charlatão, amante dos duelos, do jogo e da vida boêmia. Mesmo sendo um de seus filmes mais belos, é um dos menos divulgados.

Cinco anos mais tarde foi incumbido a Kubrick a adaptação da obra “The Shinning”, de Stephen King. O trabalho não agradou o autor do livro, porém
O Iluminado (1980) faz o expectador mais cético cobrir-se até o pescoço e rezar o pai-nosso antes de dormir. Não há quem não se lembre da expressão ensandecida de Jack Nicholson. O filme aposta no clima claustrofóbico, na profundidade psicológica e na lenta metamorfose da mente de Nicholson, atormentado por forças malignas.

Apesar de uma excelente direção e roteiro, a produção beirou o fracasso, sendo reavaliado pela crítica tempos mais tarde. Nas filmagens, Kubrick usou um total de 390 000 metros de película para um filme de 142 minutos, que gasta, em média, 2.800 metros.Uma média de 102 takes por plano, enquanto a média normal é de 10 takes. Foi usado apenas 1% do material filmado no produto final. (Acho que depois desses números ninguém mais discordará quando falo em perfeccionismo).

O grande sonho de Kubrick era dirigir um longa-metragem sobre Napoleão. Era fixado pela vida do imperador francês. Não o fez. Sete anos mais tarde, resolveu dirigir um filme sobre a guerra do Vietnã. Nada original, pois já haviam sido produzidos Platoon e mais uma dezena. Nada original se o filme não tivesse o padrão Kubrick de qualidade. Nascido para matar (1987) é uma crítica ao absurdo da guerra e à viciosa estrutura norte-americana. Mostra, como nenhum outro filme, o processo de transformação dos jovens recrutas em máquinas de matar sem escrúpulos. A mesma expressão de loucura de Jack Nicholson, em O Iluminado, é percebida no rosto do jovem destruído pelo absurdo dos campos de treinamento.A guerra é a ruína da sociedade e do psicológico, despedaçado e desfragmentado pelos seus horrores.

Todos imaginavam a aposentadoria do diretor. Já havia dirigido, ao menos, dois dos maiores filmes da história do cinema e seu nome figurava ente os maiores gênios da sétima arte.Discretamente vivendo na Inglaterra, longe da mídia e do glamour hollywoodiano, era difícil prever sua volta.

Porém, dez anos após o lançamento de Nascido para matar, Kubrick volta aos estúdios para as filmagens de Eyes Wide Shut (1999). A produção durou quase três anos, obrigando o casal de protagonistas, Tom Crise e Nicole Kidman, se estabelecerem na Inglaterra durante os 18 meses de filmagens. Mesmo a história sendo passada em Nova York, todas as cenas foram filmadas em solo inglês, inclusive as cenas de externas, reproduzidas em estúdio.

O filme volta a explorar um tema pouco abordado pelas obras kubrickianas: o sexo. Um casal, aparentemente perfeito, mergulha nos seus desejos individuais.A infidelidade não é representada apenas no plano físico (no ato de trair), mas no psicológico, explorando as fantasias e a busca de cada um pelo labirinto enigmático do desejo.

De olhos bem fechados (título do filme no Brasil) ficou abaixo das expectativas dos fãs e foi vítima do circo armado ao redor da volta de Kubrick e da sua extensa produção.

_________________________Kubrick faleceu em 7 de março de 1999, antes da estréia de sua última obra. O diretor tinha a característica de alterar seus filmes mesmo dias antes da estréia, o que deixa a dúvida em todos os fãs sobre o final de Eyes Wide Shut. A Warner Bros, produtora de seus filmes, afirma que o filme é 100% Kubrickiano. Mas se Kubrick sempre tratou os extintos mais primitivos do ser humano com especial atenção, nada melhor que encerrar sua filmografia com a maravilhosa Nicole Kidman sussurrando o verbo: “To Fuck”.

Aos apocalípticos e aficionados por teorias obscuras de plantão, Kubrick faleceu 666 dias antes da chegada do ano de 2001, o ano da odisséia no espaço.

O diretor foi indicado a 13 Oscar (um pelos efeitos especiais em 2001, três como produtor, quatro como roteirista e cinco como diretor) entre outros prêmios pelo mundo pela sua contribuição à história do cinema.

FILMOGRAFIA

1. Fear and desire (1953)
2. A morte passou por perto (1955)
3. O grande golpe (1956)
4. Glória feita de sangue (1957)
5. Spartacus (1960)
6. Lolita (1962)
7. Doutor Fantástico (1964)
8. 2001 – Uma odisséia no espaço (1968)
9. Laranja mecânica (1971)
10. Barry Lyndon" (1975)
11. O iluminado" (1980)
12. Nascido para matar (1987)
13. Eyes wide shut (1999).

Renan Damasceno, 04/2006 - 10/2007

sábado, outubro 20, 2007

Cine Mundi - Peru

Pantaleão e as visitadoras (dir. Francisco Lombardi. 1999)

- À primeira impressão, a versão cinematográfica do clássico de Vargas Llosa, Pantaleão e as Visitadoras, parece uma 'pornochanchada', no melhor estilo brasileiro, com pitadas de erotismo e muito humor. Ambientado no meio da Amazônia Peruana, os planos muito se assemelha aos de Fitzcarraldo, de Werner Herzog. Enfim, um realismo fantástico, assinado por Llosa e adaptado à risca pelo diretor Francisco Lombardi.

"Pantaleon y las visitadoras", (Vargas Llosa, em 1973), foi a forma encontrada pelo escritor peruano de criticar as hipocrisias do poder e da sociedade. O resultado: o defronte entre o exército, guardião da moral e protetor da pátria, e a profissão mais antiga do mundo, prostituição. A narrativa: Realismo Fantástico, assinado pelo escritor que mais representa o país no exterior. Uma mistura de realidade e ficção. Personagens reais em situações surreais.

O humor é irretocável. Característica de Llosa que o diferencia de grandes escritores latinos, de escrita semelhante, como Garcia Márquez e Júlio Cortázar.

Em 1975, o livro foi transformado em roteiro e co-dirigido pelo próprio autor. A nova versão (foto) foi o único filme produzido no país vizinho, em 1999. Venceu o prêmio Goya de melhor película estrangeira falada em espanhol e ganhou sete Kikitos de Ouro, em Gramado.

Além de Pantaleon, "A cidade e os cachorros", de Llosa, também foi adaptado para o cinema.


Madeinusa (dir. Cláudia Llosa. 2006)

Deus está morto. O filme é vermelho, cor do sangue que escorre da virgem Madeinusa, que no Dia Santo é prometida ao próprio pai.
A loucura, inquieta. A inocência, perdida. A submissão, eterna.
Com os valores religiosos acima dos valores humanos, a hipocrisia segue escondida atrás das Cordilheiras Brancas, longe dos olhos de Deus.

Um filme curioso, mas não deixa de ser interessante. Madeinusa é uma menina de 14 anos que vive no vilarejo de Manayaycuna, localizado em algum ponto remoto das montanhas da Cordilheira Branca peruana. Os habitantes, são conhecidos pelo fervor religioso e por um estranho ritual, celebrado tradicionalmente todos os anos. Para eles da Sexta-Feira Santa ao Domingo de Páscoa o pecado não existe, pois Deus está morto.

Assim todas as pessoas do povoado podem fazer o que quiserem no decorrer desses dias, sem nenhum remorso ou culpa. Porém a chegada acidental do jovem geólogo Salvador, justamente na véspera da celebração, desperta a curiosidade de Madeinusa.

domingo, junho 17, 2007

Edifício Master - Solidão no meio da metrópole



"Edifício Master, ao trazer o homem comum, simples e banal para as telas nos faz pensar nas vidas, histórias e personagens que se encontram dentro de cada estreito apartamento na imensa selva vertical em que vivemos nas grandes metrópoles".

O cinema é uma arte que nasceu na cidade e ao longo do século XX foi responsável por retratar as transformações de suas formas de organização. Ao contrário da pintura e da fotografia que imortalizam a paisagem, a sétima arte usou da capacidade de captar imagens em movimento para documentar o nascimento das grandes metrópoles. Ao trazer o homem comum para as telas – principalmente, após o neo-realismo italiano -, o cinema foi responsável por estreitar ainda mais a relação entre homem e espaço urbano, integrando-o na sua paisagem como construtor subjetivo da própria cidade, dando alma ao lugar que habita.

Edifício Master, do diretor Eduardo Coutinho (Cabra marcado para morrer, 1984), retrata a organização por excelência das grandes cidades: o edifício. Coutinho pretende mostrar, com a performance de seus entrevistados, como a cidade esconde a existência humana atrás de seus emaranhados de arranha-céus. Fechados em apartamentos conjugados, esses moradores apresentam duas contradições características das sociedades pós-modernas: a solidão no meio do tumulto, do caos e a estreita relação entre anonimato e visibilidade.

Para retratar esse sufocamento, o documentário é fechado e as únicas imagens externas são feitas no começo do filme. Dos minutos seguintes até o final, a equipe transita entre os corredores dos 12 andares de 36 apartamentos cada. A geometria dos corredores, das portas, dos apartamentos conjugados estabelece a idéia de uma sociedade disciplinar. E a disciplina é abordada nas primeiras entrevistas do filme exaltando a presença do novo síndico que afastou a prostituição e as “casas de massagem” do edifício.

A câmera é, quase sempre, fixa e as entrevistas são o eixo dramático exclusivo. A seleção das entrevistas dá prioridade aos depoimentos auto-reflexivos, misturando trechos de silêncio e testemunhos dos moradores contando segredos, experiências, emoções e sentimentos . Uma metáfora destes testemunhos é a música cantada pelo morador Henrique, My Way (meu caminho), de Frank Sinatra.

Quanto a sua estrutura, Coutinho parece provocar e botar em discussão a própria veracidade do documentário na entrevista com Alessandra, uma garota de programa, moradora de um dos conjugados. Ela se assume como uma “mentirosa verdadeira” e diz que se pode mentir mesmo dizendo a verdade. Com a permissão de Coutinho, Alessandra evoca uma discussão presente desde as primeiras exibições de cinema: É possível recortar e retratar a realidade através do cinema, reproduzindo a imagem tal qual ela seria sem a interferência da câmera?

Eduardo Coutinho defende a impossibilidade de filmar o real, que está em constante transformação. O que se filmou nas semanas que a equipe esteve presente no edifício foi a realidade interagindo com a câmera e o diretor. A câmera transpassa a realidade, as imagens são fílmicas, mesmo não sendo estabelecidas por roteiro. A equipe aparece nas cenas desde sua entrada, filmada pela câmera de segurança do prédio.

O comprometimento de Coutinho não é com a veracidade dos depoimentos e sim de tirar a câmera da posição do simples voyerismo e levá-la à reflexão crítica da nossa sociedade. Edifício Master, ao trazer o homem comum, simples e banal para as telas nos faz pensar nas vidas, histórias e personagens que se encontram dentro de cada estreito apartamento na imensa selva vertical em que vivemos nas grandes metrópoles.

_A imagem pertence ao site sllepycity.net
_Assista um trecho do documentário Edifício Master

sábado, maio 05, 2007

Drummondianas e o cinema em BH *



"Aquele mocinho engrouvinhado que têm cara de infusório"

Eduardo Frieiro, comentando a entrada de Carlos Drummond na redação do Diário de Minas em 1920.


Texto: Renan Damasceno


O cinema é a única arte que apresenta atestado de nascimento com data, hora e local – uma exibição pública realizada por Auguste e Louis Lumiére, em 27 de dezembro de 1895, às 21 horas, no subsolo do Grand Café, em Paris. Os irmãos acreditavam que a invenção serviria apenas para pesquisas científicas, registrando o movimento. Porém, tornou-se uma indústria de entretenimento lucrativa já nos primeiros vinte anos de vida, incorporada por grandes estúdios cinematrográficos e nomes inovadores como o francês Georges Meliés, avô dos efeitos especiais, e D. W. Griffith, o norte-americano que em 1915 lançou o primeiro longa-metragem da história: O nascimento de uma nação, um marco, dividindo a pré-história e a história de um cinema que prometia muito ainda na primeira metade do século XX.

A sétima arte não tardou em chegar à Minas Gerais. A primeira exibição por aqui – 22 de julho de 1897, em Juiz de Fora – aconteceu apenas 18 meses após a sessão inaugural em Paris e chegaria à recém-formada capital mineira em 1898. Belo Horizonte era uma cidade que se firmava entre a modernidade e a tradição e logo se familiarizou com a novidade.

As primeiras salas de cinema nasceram ainda na década de 10, beneficiadas pela energia elétrica estável e pela chegada do primeiro cinematógrafo permanente na capital, em 1906. Assim, em 1910, era fundado o Cinema Avenida, na Afonso Pena, o Cine Eclair, na rua São Paulo e o Cine Odeón, antigo Teatro Paris, na rua da Bahia. (Vale lembrar que na primeira década o cinema brasileiro vivia sua Belle Epoque, com 90% dos filmes em exibição produzidos em território nacional. Os Estados Unidos firmariam como cinema hegemônico após 1918, favorecido por uma invejável estrutura de produção e distribuição de seus filmes).

O Cine Odeón se transformou em referência para a vida cinematográfica da cidade e um centro de sociabilidade entre os jovens cinéfilos. Nessa época, a coluna Pelos Cinemas, do Estado de Minas – não o mesmo jornal que conhecemos hoje – passa a acompanhar a vida cultural da cidade. As salas começam a receber grandes públicos com a inauguração de cinemas populares, como o Cine Floresta, em 1915, e divide a sociedade conservadora da época que qualifica alguns filmes como “uso abusivo de decotes” ou “abundância de cenas aterrorizantes”.

O filme norte-americano “Diana, a caçadora”, que acabara de estreiar no Cine Pathé, na avenida Afonso Pena, é descrito como “mais do que prejudicial, nojento” pela tradicional Liga pela Moralidade. Não é de se estranhar tamanha repercussão que levou um moço recém-chegado de Itabira a escrever seu primeiro artigo na grande imprensa intitulado: “Diana, a moral e o cinema”, publicado em 15 de abril de 1920, no Diário de Minas. Este rapaz, que chegava na capital para tentar carreira como jornalista, era ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade.

Muita coisa mudou desde as exibições do Cine Pathé e os jovens cinéfilos puritanos e moralistas das três primeiras décadas, certamente, atiariam fogo nas salas de cinema se assistissem, quase 50 anos depois, a obra de seu conterrâneo, Neville d’Almeida, que trouxe para as telas A Dama da Lotação e Os sete gatinhos, adaptações célebres das crônicas de Nélson Rodrigues.


*Título original: Belo Horizonte: Histórias de cinema. Publicado em maio de 2006 pelo jornal Quinzenário. Editor: Léo Quintino.

quarta-feira, janeiro 31, 2007

Diamante de Sangue - A África Hollywoodiana


Por: Renan Damasceno

Em um dos diálogos marcantes do filme Hotel Ruanda (EUA, 2004, dir:Terry George ), um comissário da ONU diz ao negro tutsi (interpretado por Don Cheadler), em claras e ríspidas palavras, que o mundo não se preocupa com os africanos porque estes não rendem dinheiro nem voto e tampouco têm importância política. Um ano depois, o cinema lança novamente os olhares sobre o continente africano. Desta vez para denunciar o uso de cobaias humanas e outros crimes cometidos pela indústria farmacêutica em O Jardineiro Fiel, do diretor brasileiro Fernando Meireles.

Politicamente, os 53 países africanos podem não exercer grande influência – com exceção da África do Sul, voz ativa do continente -, mas parecem render boas cifras ao império roliudiano. As bilheterias e indicações ao Oscar, dadas como certa, nos três casos, não deixam dúvidas.

Diamante de Sangue concretiza a hipótese. E prova que os países desenvolvidos passam mais tempo lendo National Geografic que realmente preocupados com a miséria e as guerras civis terceiromundista.

A problemática apresentada nos três filmes é extremamente atual e longe de qualquer resolução. O primeiro (Hotel Ruanda), traz aos olhos do mundo desenvolvido a autodestruição do povo africano causada pela união forçada de etnias rivais durante a divisão do continente pelos europeus no século XIX (no filme, a luta do povo hutus contra os tutsis na Ruanda, sul do continente).
Diamante de Sangue mostra o que a riqueza das pedras preciosas trouxe para Serra Leoa: contrabando, mortes e o surgimento de milícias armadas na disputa pelo poder. Além da presença de multinacionais interessadas no contrabando de diamantes e crianças separadas dos pais nas invasões de aldeias de pescadores, obrigadas a entrar para a luta armada aos 10 anos de idade.

Serra Leoa, na costa ocidental do continente, é um país que se dissolve em sangue. Corpos mutilados bóiam nas águas do mar e se espalham na rua da Capital, Freetown (os guerrilheiros têm o hábito de decepar as mãos da população para impedir o voto e riscam a faca no corpo dos prisioneiros mensagens aos inimigos)

Porém, ao contrário de Hollywood, o final não é feliz. Aliás, esses problemas estão longe de apresentar um final.
Tecnicamente, são três bons filmes. Nada mais que isso.
Nos filmes não há denúncias, mas meras constatações. Porém, Diamante de Sangue assume uma posição importante ao criticar a imprensa mundial por se limitar aos relatos sobre a guerra e a fome do povo africano. Apelar para testemunhos de famílias dilaceradas ao longo de todo o continente em matérias ilustradas por fotos de crianças negras, subnutridas ou mulheres se desintegrando, vítimas do HIV. Sofrimento vende e reúne todo o mundo num sentimento de comoção e piedade.
Aliás essa é a estética desses filmes: A criação de um sentimento de comoção e não de indignação. O espaço de reflexão é limitado a curtos diálogos e seqüências de imagens. O “happy end” conforta o público, mesmo sabendo que este final é provisório, pois no fundo todos pensamos que não há solução para o povo africano. Então, é melhor não pensar no futuro e aceitar que o contrabandista de diamantes ficou amigo do nativo que será ajudado futuramente pela jornalista, reencontrará sua família e viverá em Londres.
Vale lembrar que a emoção traz lucro à indústria do cinema e nada melhor que miséria para arrancar lágrimas do público. Sensacionalismo vende. Foto de subnutridos africanos vende. Matérias, relatos de guerra é entretenimento na mesa de café da manhã dos empresários e sinônimo de boas matérias para os jornais do mundo todo.
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