sábado, março 12, 2011

O discurso do rei

Conhecido pelo talento e pela gagueira, ex-atacante Elivélton, herói do título celeste na Libertadores de 1997, aprimora a fala com programa de rádio em Alfenas

Renan Damasceno - Estado de Minas

Renan Damasceno/EM
Elivélton é pastor evangélico, dono de escolinha de futebol e apresentador de rádio

Alfenas
– "Elivélton? O jogador? Mas você não é gago?", pergunta um incrédulo ouvinte do programa semanal Um novo começo, da Rádio Novo Lar, desta cidade do Sul de Minas. O misto de espanto e satisfação por falar ao telefone com um dos mais vitoriosos atletas do país na década de 1990 se repetiu com frequência durante os mais de dois anos em que a atração foi ao ar, de 2007 ao fim de 2009, quando o famoso apresentador interrompeu a atração para retornar aos gramados, pela Francana, no interior paulista. Com a aposentadoria definitiva, o programa, voltado ao público evangélico, deve ser retomado este ano.

"Eu era gago, gaguinho de tudo. Quando falei que queria apresentar um programa de rádio, todo mundo se assustou", conta o ex-atacante, autor do gol que deu ao Cruzeiro o título da Copa Libertadores de 1997, com a vitória por 1 a 0 sobre o peruano Sporting Cristal, no Mineirão, quatro anos depois de ser bicampeão pelo São Paulo (1992 e 1993). "Microfone nunca foi meu forte, mas recorri à experiência para soltar a voz. Durante a carreira, eu corria, me escondia dos repórteres para não dar entrevistas. Se gaguejasse, os colegas não me davam sossego."

Do samba Gago apaixonado, composto por Noel Rosa em 1930 – "Eu de nervoso esto-tou fi-ficando gago –, ao personagem animado Gaguinho, do Looney Tunes – "É isto aí, pe-pessoal" –, a gagueira sempre foi alvo de chacota. O recente filme O Discurso do rei, do britânico Tom Hooper, vencedor de quatro estatuetas no Oscar deste ano (filme, diretor, roteiro e ator, para Colin Firth), no entanto, veio destravar esse assunto – com o perdão do trocadilho. Inseguro pelos problemas da fala, o rei George VI (Colin Firth) foi obrigado a assumir a coroa britânica quando o irmão David abdicou para se casar com uma plebeia. À beira da Segunda Guerra Mundial, o monarca teve de recorrer a um terapeuta australiano de métodos nada convencionais, Lionel Logue (Geoffrey Rush), para treinar a oratória e discursar com confiança aos súditos em momento tão delicado.

"Minha experiência no rádio foi fantástica. Como era ao vivo, não podia quebrar o ritmo. Josélia, minha esposa, me ajudava a apresentar o programa, que durava uma hora. Eu falava uns 10 minutos sem parar. Gaguejar mesmo, quase não gaguejava. Mas, às vezes, ainda dou uma rateada", confessa Elivélton.

Em certo momento do filme, George VI, voz já mais firme, fala aos ouvidos de Logue: "Eu tinha que gaguejar um pouco para eles saberem que era eu".



CARREIRA À beira de completar 40 anos, Elivélton mora em Alfenas, vizinha à cidade natal, Serrania. Divide o tempo entre a loja de artigos religiosos e o Elivélton Esporte Clube, de futebol soçaite, onde funciona sua escolinha de futebol. Casado há 18 anos com Josélia Rufino, é pai de três filhos – o mais novo tem 12 anos. Ele e a mulher são diáconos da igreja Sara Nossa Terra, na qual o ex-jogador ministra culto de 40 minutos toda semana.

Quarto filho de uma família de sete irmãos, Elivélton trabalhou como cortador de cana de açúcar, gari e servente de pedreiro antes de fazer um teste nos juniores do Esportivo, de Passos. "Vi aquele menino franzino treinando um dia à tarde e estávamos à procura de um ala-esquerdo para disputar o Mineiro. Fui até lá conversar, mas ele não falava quase nada, de tão gago e humilde. Pedi para se apresentar nos profissionais na manhã seguinte. Marquei um amistoso contra um time da cidade e ele arrebentou no jogo. Aí tive a certeza de que iria longe no futebol", comenta o ex-jogador Jair Bala, à época treinador da equipe passense.

Durante aquele Estadual, Carlos Alberto Silva, então no São Paulo, enviou um olheiro para acompanhar Aritana, apelido dado por Jair Bala ao atacante, pela semelhança com o cacique e autoridade indígena do Alto Xingu. Ainda em 1989, o jovem seguiu para o tricolor. Lá, viveu os melhores momentos em 20 anos de carreira: conquistou duas Libertadores, dois Paulistas (1991 e 1992), um Brasileiro (1991) e, antes que seu time vencesse o segundo Mundial Interclubes, foi vendido ao Nagoya Grampus, do Japão, em meados de 1993.

Nesse período, foi convocado para a Seleção Brasileira, mancando seu solitário gol com a camisa verde-amarela, na vitória sobre a ex-Tchecoeslováquia por 2 a 1, no Serra Dourada, em 1991. No ano seguinte, quando defendia a equipe no Pré-Olímpico do Paraguai, levou uma pedrada na cabeça, arremessada pelos torcedores. Ele garante não ter deixado marcas. "Fora a que ficou na minha testa", brinca.

A sorte sempre o acompanhou, especialmente nas decisões. Em seu retorno ao futebol brasileiro, em 1995, fez o gol do título estadual do Corinthians no triunfo por 2 a 1 sobre o Palmeiras, no segundo tempo da prorrogação, em Ribeirão Preto. Dois anos depois, com a camisa celeste, fez o gol do Cruzeiro sobre o Sporting Cristal, na segunda etapa da decisão.

Desde então, não conseguiu se firmar em nenhum outro time. Passou por Internacional, Ponte Preta, São Caetano, Vitória e Bahia, por times do interior de São Paulo e do Mato Grosso. Em 2007, teve um derradeiro momento de glória. "Estava no Uberlândia e joguei contra o Cruzeiro, no Mineirão. Fui substituído no segundo tempo e a torcida cruzeirense me aplaudiu de pé."