sábado, junho 18, 2011

From John To Ton




A terceira passagem de John Pizzarelli por Belo Horizonte em menos de 10 anos reforçou ainda mais a ligação desse guitarrista norte-americano, de afinação e suíngue ímpares, com a música mineira. A apresentação no Teatro Oi Futuro, uma casa pequena para cerca de 350 pessoas, na sexta-feira (17/6), foi mais descontraída do que as anteriores, permitindo a John contar histórias e enumerar suas influências brasileiras: das alterosas, lembrou da vez em que Milton Nascimento assistiu a seu show, no Rio, de Paulo Braga e Toninho Horta.

Embora eu tenha visto o concerto de cerca de duas horas a seco -- em 2009, no Music Hall, o bar servindo rum e uísque deixou o clima mais saboroso --, percebi a destreza de Pizzarelli ao comandar um repertório cheio de standards e músicas populares estadunidenses intercaladas com o mais fino do instrumental reunido em quase trinta anos de carreira. Seu fiel baixista e irmão Martin Pizzarelli, o baterista Tony Tedesco e o pianista Larry Fuller completavam o quarteto.

No setlist, composições e músicas imortalizadas por Duke Ellington, Nat King Cole, irmãos Gershwins; músicas e arranjos próprios; a última parte com a sequência de Desafinado, Só Danço Samba e Garota de Ipanema; e o encerramento (como há dois anos) com Can't buy me Love, uma de suas (des)construções do álbum Meet the Beatles, de 1998.

Antes da feijoada do dia seguinte, servida no almoço do tradicional Paladino, aquele ali no caminho entre a orla da Pampulha e a Toca da Raposa, John pode conversar mais à vontade, durante um workshop e jam session ao lado de Toninho Horta, que está de volta a terra natal para comandar o projeto Aqui Ó Jazz (participe do grupo no Facebook e conheça o site).

O encontro, que contou ainda com Juarez Moreira, foi no Conservatório de Música da UFMG.

JOÃO GILBERTO

Meu pai (o guitarrista de swing jazz, Bucky Pizzarelli) ouviu João Gilberto no rádio do carro e comprou o disco Amoroso logo em seguida. Lembro de vê-lo ouvindo 'S wonderful e Besame Mucho e ele sempre voltava ao início tentando compreender como Gilberto avançava e atrasava o tempo. A gente ouvia só o lado A, de tanto que ele repetia as músicas tentando compreender. Há pouco tempo, com meu Ipod, passei a ouvir o lado B, Zíngaro, All of Me, uma vez que não tem a divisão ... (risos).

VIOLÃO BRASILEIRO
Existe o jeito de João Gilberto tocar (explica elevando a mão direita mais alto), existe o jeito de Toninho tocar (separando a mão esquerda do corpo, um pouco mais baixo em relação à direita). Também há o jeito do João Bosco. "Brrrinquedo de papel marchê" (dedilhando ao violão). Eu tento fazer algo no meio de tudo isso. São diferentes, ideias diferentes, nas mesmas seis cordas. É incrível.

TONINHO

Ouvi Toninho Horta em um K7 que ganhei da minha ex-namorada. Um dia ele apareceu no estúdio que estava gravando, em Nova York. Perguntei ao pessoal que me acompanhava. "Quem é aquele?". "Não sei, acho que é Ivan Lins". Mas na hora que soube que era Toninho, levei o tape para ele autografar.

Certa vez, no nosso apartamento em Nova York, ele apareceu. Meu pai chegou com o Toots Mondello (importante nome do sax alto do swing jazz). Toninho pegou a guitarra e tocou, acho que Gershwin, e todo mundo ficou maravilhado. Meu pai balançava a cabeça, boquiaberto, e me perguntava. "Who is that guy?"

MUSICALIDADE

Aprendo primeiro a harmonia para depois entender o acompanhamento. Aprendi isso, quase instintivamente, vendo o meu pai tocar. Eu sabia acompanhá-lo e, quando ele pedia para eu solar, já sabia onde estavam os acordes. Fica mais fácil, por exemplo, quando você se perder no solo: é só voltar na harmonia. Aprendi ouvindo muitos discos: Joe Pass, João Gilberto. Do meu pai, absorvi as harmonias. A música é o carro e a melodia, a gasolina.



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quarta-feira, junho 15, 2011

Borges e eu



Há seis anos, entre as estantes tortuosas e labirínticas de um sebo do Prédio Maleta, no centro de Belo Horizonte, encontrei um livro de Borges, à penumbra de tantos outros de poesia. Não era a seção mais indicada para encontrar a obra desse contista universal, mas se tratava de Elogio da Sombra, de 1969, quando o argentino contava 70 anos e convivia com a cegueira, que o obrigou a buscar a essência das palavras desmascaradas nas métricas da poesia.

Instigado a conhecer aquele escritor, que já ouvira falar em reportagens sobre Buenos Aires e num dossiê feito pela revista Cult em seu aniversário de segundo ano, não hesitei em abrir
o livro fininho em uma página aleatória: The Undening gift, ou O Infinito Presente (tradução livre, uma vez que o tradutor Carlos Nejar preservou o título original) foi meu aleph, uma porta de entrada, para tentar desvendar esse labirinto de espelhos que forma a obra de Borges, dispersa por mais de cinquenta anos de dedicação à produção literária e ao esforço bibliotecário de comprender os grandes autores e clássicos, do ocidente de Dom Quixote ao oriente d'As Mil e uma noites.

Há um ano estive em Buenos Aires e conheci o bairro em que Borges cresceu, na rua Serrano, em Palermo (foto). Ele nasceu em uma casa da rua Tucumán, 840, na região central, mas a residência não existe mais. Em 1944, Borges e sua mãe se mudaram para um exíguo apartamento à rua Maipú, também no centro, onde o escritor viveria por 41 anos. Lá, Borges ditou à sua mãe suas principais obras: O Aleph, O Informe de Brodie, entre outros.
Meu preferido é a coleção de contos de Ficciones, escritos entre 1941 (Primeira parte: O Jardim de Caminhos que se Bifurcam) e 1944 (Segunda parte: Artifícios). Nele recortamos alguns elementos que fascinavam Borges: os labirintos, os espelhos, a memória, a biblioteca e os catálogos inimagináveis, os pampas, a literatura anglo-saxônica e os clássicos gregos ou de língua espanhola.

Há 25 anos (em 14 de junho de 1986, ano em que nasci), Borges partia deste mundo, como bem definiu o jornalista Ariel Palácios, do Estadão, "para tornar-se tal como em seu poema sobre sua amada Buenos Aires em 'eterno como a água e o ar'".



THE UNENDING GIFT



Um pintor prometeu-nos um quadro.
Agora, em New England, sei que morreu. Senti, como
outras vezes, a tristeza de compreender que somos como
um sonho. Pensei no homem e no quadro perdidos.
(Só os deuses podem prometer, porque são imortais.)
Pensei em um lugar prefixado que a tela não ocupará.
Pensei depois: se estivesse aí, seria com o tempo uma coisa
mais, uma coisa, uma das vaidades ou hábitos da
casa; agora é ilimitada, incessante, capaz de qualquer
forma e qualquer cor e a ninguém vinculada.
Existe de algum modo. Viverá e crescerá como uma
Música e estará comigo até o fim. Obrigado, Jorge Larco.
(Também os homens podem prometer, porque na promessa
Há algo imortal.)

terça-feira, junho 07, 2011

A tabuleta do Custódio


"Há em Esaú e Jacó, de Machado de Assis (1904, quatro anos antes de sua morte), o episódio do negociante Custódio, surpreendido pelo advento da República ao pintar sua tabuleta de Confeitaria do Império. Custódio mandou parar o trabalho, mas este já estava avançado. Alguém sugeriu-lhe Confeitaria da República. O negociante coçou a cabeça: "E se houver reviravolta?" Outro, mais precavido, indicou-lhe Confeitaria do Governo. "Nenhum governo deixa de ter oposição e estas, quando descem à rua, podem implicar comigo, imaginar que as desafio, e quebrarem-me a tabuleta". Veio novo conselho: "Nesse caso, ponha Confeitaria do Catete". Mas o negociante acabou optando pela Confeitaria do Custódio.

sábado, junho 04, 2011