Por João Marcos Veiga*
Novos aromas desenham no ar um cheiro de mudança ou, ao menos, de recomeço. Há pouco mais de um ano, o queijo – esse âmago, essa quintessência da mineiridade – foi elevado ao status de patrimônio cultural imaterial do estado. Durante a Expocachaça foi anunciado que, enfim, temos o dia da branquinha. No mês passado, a empresa Forno de Minas, um dos símbolos de nossa pedra filosofal, o pão-de-queijo, deixou de pertencer à insaciável e indigesta economia americana para retornar, depois de dez anos, à família mineira.
Mesa posta para indagar: o Brasil, sintetizado em Minas, continua se contentando com enlatados queimados em microondas ou, de tanto comer cru, começa a achar sua receita no lixo de uma digestão cultural inconstante?
Do lixo surgem alguns instrumentos do liquidificador do Graveola. Num movimento centrípeto, pop, soul, bossa nova, brega e experimentalismo trocam sabores. De um caldo polifônico surge, em vertigem centrífuga, um cheiro de novidade. Ao expor corajosamente suas fontes de inspiração, abrem-se novos canais de escoamento para nossas infinitas – enquanto lutem, posto que há a lama – criações musicais em constante antropofagia.
Em recente artigo, Arnaldo Jabor (aquele que Nelson Rodrigues se referia como o jovem que chupava sorvete em plena Marcha dos 100 mil) declarou que, de tanto o Brasil fazer antropofagia de outras culturas, já estamos em processo de indigestão. Recentemente descobri que a manga não é nossa (Mangifera indica) e que nosso único instrumento genuíno é a ... cuíca.
Enfim, o que é nosso? Nossa é essa sede que seca nossas gargantas roucas; nossa é essa fome que consome nossas estéticas glauberianas que não se rendem. Não somos o pulmão e tampouco as chuteiras do mundo, somos seu estômago. De canibais do século dezesseis, passamos a antropofágicos do século XX para chegar à regurgitofagia da transição de séculos.
A comida está para a criação assim como a culinária está para a cultura de um país. Assim, temperos somente ganham autêntico gosto quando celebram-se os próprios pratos. Apesar da exploração midiática, os cinqüenta anos de Bossa Nova e Cinema Novo e os cem anos do samba são sinais de que não vivemos tanto na solidão e num ensaio eterno de uma cegueira cultural.
Mas os guardiões do limiar estão sempre a postos (lembram da marcha contra a guitarra elétrica?): como explicar a inicial rejeição, tal qual uma criança relutando a comer verduras, ao Transamba de Caetano? Com um rock minimalista em compasso com o samba tal qual queijo e goiabada, o tropicalista reafirma o que todos insistem em não ver desde o “Transa”: a essência está na mudança. Ao cantar o falso Leblon e sentenciar que a Lapa é a síntese do Brasil, Caetano deixa de falar que ele sim é a síntese do Brasil.
O problema, como diria Elis, é que o Brazil não conhece o Brasil. Como dizia Manoel, a única solução, então, é dançar um tango argentino. Quer dizer, como diria aquele de Budapeste, o melhor é botar água no feijão, pois desde Cabral estamos com uma fome e uma sede de anteontem.
*João Marcos VEIGA, 23, é jornalista. Editor do programa Microfonia, da PUCTV
+ Sobre Cultura Brasileira neste blog:
Afinal, o que é MPB?
As façanhas de Farnésio
Se Deus tivesse uma voz...
Resenha – Budapeste
Mesa posta para indagar: o Brasil, sintetizado em Minas, continua se contentando com enlatados queimados em microondas ou, de tanto comer cru, começa a achar sua receita no lixo de uma digestão cultural inconstante?
Do lixo surgem alguns instrumentos do liquidificador do Graveola. Num movimento centrípeto, pop, soul, bossa nova, brega e experimentalismo trocam sabores. De um caldo polifônico surge, em vertigem centrífuga, um cheiro de novidade. Ao expor corajosamente suas fontes de inspiração, abrem-se novos canais de escoamento para nossas infinitas – enquanto lutem, posto que há a lama – criações musicais em constante antropofagia.
Em recente artigo, Arnaldo Jabor (aquele que Nelson Rodrigues se referia como o jovem que chupava sorvete em plena Marcha dos 100 mil) declarou que, de tanto o Brasil fazer antropofagia de outras culturas, já estamos em processo de indigestão. Recentemente descobri que a manga não é nossa (Mangifera indica) e que nosso único instrumento genuíno é a ... cuíca.
Enfim, o que é nosso? Nossa é essa sede que seca nossas gargantas roucas; nossa é essa fome que consome nossas estéticas glauberianas que não se rendem. Não somos o pulmão e tampouco as chuteiras do mundo, somos seu estômago. De canibais do século dezesseis, passamos a antropofágicos do século XX para chegar à regurgitofagia da transição de séculos.
A comida está para a criação assim como a culinária está para a cultura de um país. Assim, temperos somente ganham autêntico gosto quando celebram-se os próprios pratos. Apesar da exploração midiática, os cinqüenta anos de Bossa Nova e Cinema Novo e os cem anos do samba são sinais de que não vivemos tanto na solidão e num ensaio eterno de uma cegueira cultural.
Mas os guardiões do limiar estão sempre a postos (lembram da marcha contra a guitarra elétrica?): como explicar a inicial rejeição, tal qual uma criança relutando a comer verduras, ao Transamba de Caetano? Com um rock minimalista em compasso com o samba tal qual queijo e goiabada, o tropicalista reafirma o que todos insistem em não ver desde o “Transa”: a essência está na mudança. Ao cantar o falso Leblon e sentenciar que a Lapa é a síntese do Brasil, Caetano deixa de falar que ele sim é a síntese do Brasil.
O problema, como diria Elis, é que o Brazil não conhece o Brasil. Como dizia Manoel, a única solução, então, é dançar um tango argentino. Quer dizer, como diria aquele de Budapeste, o melhor é botar água no feijão, pois desde Cabral estamos com uma fome e uma sede de anteontem.
*João Marcos VEIGA, 23, é jornalista. Editor do programa Microfonia, da PUCTV
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