Há seis anos, entre as estantes tortuosas e labirínticas de um sebo do Prédio Maleta, no centro de Belo Horizonte, encontrei um livro de Borges, à penumbra de tantos outros de poesia. Não era a seção mais indicada para encontrar a obra desse contista universal, mas se tratava de Elogio da Sombra, de 1969, quando o argentino contava 70 anos e convivia com a cegueira, que o obrigou a buscar a essência das palavras desmascaradas nas métricas da poesia.
Instigado a conhecer aquele escritor, que já ouvira falar em reportagens sobre Buenos Aires e num dossiê feito pela revista Cult em seu aniversário de segundo ano, não hesitei em abrir o livro fininho em uma página aleatória: The Undening gift, ou O Infinito Presente (tradução livre, uma vez que o tradutor Carlos Nejar preservou o título original) foi meu aleph, uma porta de entrada, para tentar desvendar esse labirinto de espelhos que forma a obra de Borges, dispersa por mais de cinquenta anos de dedicação à produção literária e ao esforço bibliotecário de comprender os grandes autores e clássicos, do ocidente de Dom Quixote ao oriente d'As Mil e uma noites.
Há um ano estive em Buenos Aires e conheci o bairro em que Borges cresceu, na rua Serrano, em Palermo (foto). Ele nasceu em uma casa da rua Tucumán, 840, na região central, mas a residência não existe mais. Em 1944, Borges e sua mãe se mudaram para um exíguo apartamento à rua Maipú, também no centro, onde o escritor viveria por 41 anos. Lá, Borges ditou à sua mãe suas principais obras: O Aleph, O Informe de Brodie, entre outros.
Meu preferido é a coleção de contos de Ficciones, escritos entre 1941 (Primeira parte: O Jardim de Caminhos que se Bifurcam) e 1944 (Segunda parte: Artifícios). Nele recortamos alguns elementos que fascinavam Borges: os labirintos, os espelhos, a memória, a biblioteca e os catálogos inimagináveis, os pampas, a literatura anglo-saxônica e os clássicos gregos ou de língua espanhola.
Há 25 anos (em 14 de junho de 1986, ano em que nasci), Borges partia deste mundo, como bem definiu o jornalista Ariel Palácios, do Estadão, "para tornar-se tal como em seu poema sobre sua amada Buenos Aires em 'eterno como a água e o ar'".
THE UNENDING GIFT
Um pintor prometeu-nos um quadro.
Agora, em New England, sei que morreu. Senti, como
outras vezes, a tristeza de compreender que somos como
um sonho. Pensei no homem e no quadro perdidos.
(Só os deuses podem prometer, porque são imortais.)
Pensei em um lugar prefixado que a tela não ocupará.
Pensei depois: se estivesse aí, seria com o tempo uma coisa
mais, uma coisa, uma das vaidades ou hábitos da
casa; agora é ilimitada, incessante, capaz de qualquer
forma e qualquer cor e a ninguém vinculada.
Existe de algum modo. Viverá e crescerá como uma
Música e estará comigo até o fim. Obrigado, Jorge Larco.
(Também os homens podem prometer, porque na promessa
Há algo imortal.)
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