*Texto: Renan Damasceno
*Foto: Ayron Borsari
Corpo Fechado é a antepenúltima das nove novelas que compõem Sagarana, romance inaugural da obra ficcional de Guimarães Rosa. Publicado em 1946, o livro é um dos precursores do pós-modernismo e firma a característica verticalizada de Rosa: a transcendência do estritamente regional para, assim, chegar a uma dimensão metafísica, universal do homem.
Esta é uma história de valentões e de espertos, de violência e de feitiços. A pequena e interiorana Laguinha é assombrada pela presença dos sucessivos “espanta-praças”: José do Boi, Desidério, Miliguido, Adejalma – “nome bobo, que nem é de santo” - , Targido e finalmente, Manuel Fulô.
Manuel Fulô (ou Manuel Veiga, Manuel Peixoto, Manuel Flor, Mané das Moças, ou ainda, quando xingado, Mané-minha-égua) é o anti-herói da história. Não trabalhava, de jeito nenhum, “e gostaria de saber quem foi que inventou o trabalho, pra poder tirar vingança” e, assim como Dom Quixote e o cavalo Rocinante, vivia acompanhado de sua besta nhata, Beija-Fulô, e juntos “centaurizavam gloriosamente”.
Por conviver algum tempo com os ciganos, aprendeu deles toda a sorte de truques possíveis, envolvendo animais de montaria. Quando decide casar, Targino, um dos valentões (aliás, um dos últimos) da cidade cisma em ter para si a noite de núpcias.
E aqui que começa a história que dá nome ao título. Targino, o “cobra que pisca olho”, “excomungado”, se encanta pela futura esposa de Manuel, das Dor.
Reboliço. Correrias. Movimentação do doutor.Renegando o sobrenome Veiga, esses que o apoiaram antes do momento fatídico. Antonico das águas, “que tinha alma de pajé” e era “curandeiro-feiticeiro”, agora entra na história para “fechar o corpo” de Manuel Fulô – em troca da égua Beija-fulô - “requisitando agulha-e-linha, um prato fundo, cachaça e uma lata com brasas”:
“- Fechei o corpo dele. Não careçam de ter medo, que para arma de fogo eu garanto!...”
Na rua da casa do Doutor, onde todos espiavam a suposta desgraça de Manuel, acontece o encontro.Targino erra os cinco tiros e Manuel com uma quicé, quase canivete, furou o valentão, que “girando na perna esquerda e ceifando o ar com a direita; capotou, deviveu”.
Mesmo com a lealdade dos Veigas, o ingrato novo-valentão termina o conto esbravejando aos quatro-ventos:
“-Conheceu, diabo, o que é raça de Peixoto?!”
Fica claro ao longo do texto a devoção do povo interiorano pelo “valentão”. Esse é invocado por diversas expressões que o santificam – como ser inatingível - ou o demonizam – como excomungado. Outra chave para desvendar o sertanejo de Corpo Fechado é a esperteza, a malandragem, o anti-heroísmo, presente em Manuel-Fulô. Podemos tomar isso como uma fuga, uma alternativa de sobrevivência, próximo do personagem João Grilo , da peça teatral O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna (1955).
Numa linguagem mesclada de arcaísmos, figuras de linguagem e tipismos mineiros, Rosa universaliza o sujeito regional. Atribui novas formas e qualidades e cria, a partir disso,uma nova concepção do homem sertanejo.
3 comentários:
Não li o livro,mas gostei do que você escreveu(vou ver se coloco ele na minha lista também).
Beijo!
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essa foto tb é boa.
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