quinta-feira, janeiro 16, 2014

Entre edredons, sustos e suspiros


Quando o acrófobo personagem de James Stewart em Um Corpo que Cai (1958) se pendurou na calha para não despencar do telhado, às 4h47 de ontem, os cerca de 30 espectadores que resistiam bravamente diante do telão montado na parte externa do Palácio das Artes esfregaram os olhos e apertaram os dedos contra as cadeiras de plástico. Esse turbilhão de sensações – a tensão, o medo, o susto, o alívio –, adicionadas a xícaras de café, bate-papo e garrafas de vinho, ajudaram o público a se manter vivo ao longo da madrugada, enquanto Alfred Hitchcock tramava planos para fulminar seus protagonistas em Os pássaros (exibido às 23h), Disque M para matar (2h) e Um corpo que cai (4h30).

Dentro da sala do Humberto Mauro, que teve todas as sessões lotadas – a fila para a sessão das 2h começou a se formar às 20h30! –, o silêncio era cortado pelos sustos, pacotes de biscoito se abrindo, um ou outro ronco e suspiros por Tippi Hedren, James Stewart, Kim Novak ou Grace Kelly (esta última, exuberante no 3D). Por volta da 1h30, José Mojica Marins evocou Zé do Caixão para amenizar o clima de tensão e tirar risadas do público.

Quem não conseguia bilhete encostava-se nos cantos para um cochilo, dividindo cobertores e edredons, ou ia ao balcão para mais um café. Segundo um dos garçons, foram mais de 200 xícaras de expresso. Um garoto ao meu lado acordou assustado com o alarme do celular às 6h30, lembrando que faltava meia hora para bater ponto no trabalho.

Às 6h53, quando terminou a exibição de Um corpo que cai, o sol prejudicava consideravelmente a visibilidade do telão. Em vez de reclamações, veio um clima de alívio na fila para o café: entre as árvores do Parque Municipal, os passarinhos assobiavam uma melodia tranquila, sem dar pistas de que iriam assassinar os transeuntes.

(Publicado originalmente no caderno Gerais, do Estado de Minas, em 25/8/2013, em página dedicada a Mostra Hitchcock, no Cine Humberto Mauro)

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