
Las nieves del tiempo platearon mi sien...
Sentir... que es un soplo la vida,
Que veinte años no es nada,
Que febril la mirada, errante en las sombras,
Te busca y te nombra.
Vivir... con el alma aferrada
A un dulce recuerdo
Que lloro otra vez...
(Carlos Gardel)
por: renan damasceno
Pedro Almodóvar tornou-se uma grife do cinema contemporâneo. O mais aclamado diretor de língua hispânica desde Luís Buñuel e Carlos Saura. Criou um universo cinematográfico particular: fotografia e cores peculiares, roteiros que se abrem formando uma rede de histórias a partir dos segredos e desejos das suas personagens. Assistir um novo trabalho de Almodóvar é apenas constatar a genialidade deste que é o maior diretor em atividade.
Não, não é exagero. Na história do cinema, Almodóvar é um dos raros diretores que conseguiu emplacar um estilo único em seus filmes. Digo único porque os grandes mestres, que mudaram o curso da história cinematográfica, em sua maioria, - como Eisenstein, Godard, Glauber, etc. – participavam de escolas que criavam novas linguagens a partir de experimentos coletivos, com filmes de vários diretores ao mesmo tempo - Nouvelle Vague, Neo Realismo, Cinema Novo, por exemplo. Almodóvar é estrela solitária no apagado cinema espanhol da década de 80.
A experiência de Almodóvar começou nos subúrbios de Madrid. Seus primeiros filmes (Labirinto de Paixões, 1982, Que fiz eu para merecer isto?, 1884, e Matador, 1987) têm um pouco deste mundo periférico e suburbano da capital espanhola: drogas, dragqueens e homossexualismo.
A segunda fase, a partir de 1989, com Mulheres à beira de um ataque de Nervos, marca a passagem de um cinema marginal para o universo melodramático e o reconhecimento internacional. Daí em diante seus filmes passaram a ter a marca “Una película de Almodóvar”, explorando o universo feminino, os desejos, as relações amorosas e familiares. Tudo sobre minha mãe (1999) é a prova definitiva e marca a terceira fase de seu cinema, a partir deste, seus filmes passaram a ser aguardados com anseio pelo público e aclamados pela crítica.
Minha intenção não é escrever um texto biográfico. Apesar de ter assistido todos os filmes do diretor lançados no Brasil, falta-me conhecimento cinematográfico pra isso. Coloquei essa breve história porque é impossível falar de seu mais novo lançamento sem voltar no tempo. Aliás, é Volver (voltar, em espanhol) o nome da película.
O filme é uma volta, não apenas a La Mancha, terra natal do diretor, onde são filmadas várias cenas com a protagonista Penélope Cruz (Raimunda), mas uma volta ao universo feminino, após o hiato masculino de Má Educação (2004). É a volta de Carmem Maura, musa dos seus primeiros trabalhos. A volta do que Almodóvar sabe explorar, como poucos: as relações afetivas e familiares.
A história é imprevisível – outra característica -, as personagens são muito bem desenhadas num universo, unicamente, feminino. Raimunda, a protagonista, é uma mulher bela e sofrida, no melhor estilo Sofia Loren nos filmes de Vittorio de Sica. Sole, sua irmã, após ser abandonada pelo marido, sobrevive, sozinha, trabalhando de cabelereira, clandestinamente, dentro da própria casa. Paula, a filha, a típica adolescente.
As gerações se encontram no vilarejo que Raimunda abandonou quando se casou com Paco e foi viver em Madrid. Começa com a celebração da morte: a lavagem dos túmulos, cuidados - como ensina a tradição - pelas viúvas, vestidas uniformemente de preto. Neste início, Almodóvar retrata a submissão das mulheres aos maridos, mesmo depois de mortos, e como todas, nascem e morrem, obedecendo à tradição da aldeia onde vivem. A mãe de Raimunda, que quebra essa submissão ateando fogo na casa que seu marido dormia com outra, é obrigada a viver trancada na casa da tia, abstendo-se da vida, não apenas por medo judicial, mas por destoar-se do caminho natural de todas as mulheres do lugar.
A vida de Raimunda em Madrid é difícil. Paco torna-se alcoólatra, é despedido do emprego. Ela trabalha como faxineira no aeroporto.O dia que muda toda a história do filme acarreta uma série de acontecimentos: Paula é assediada pelo Pai; Paco é assassinado com uma facada pela filha; Tia Paula (Tia de Raimunda, que vivia no vilarejo) morre e sua mãe reaparece.
A volta da personagem de Carmem Maura traz a tona uma série de segredos que dão sentido ao filme e à vida das duas filhas – Raimunda e Sole – e da neta.
Noto outra peculiaridade nos filmes do criador de Volver. Os segredos que são revelados, na maioria de seus trabalhos como diretor, e que dão sentido ao filme, poderia ser usado, certamente, para se desenvolver outro roteiro, tão genial quanto o próprio filme. Esta característica da multiplicidade esta presente nas grandes obras contemporâneas, da literatura ao cinema, como defende o filósofo italiano Ítalo Calvino, em suas Seis Propostas Para o Próximo Milênio.
Há vários filmes de Almodóvar dentro de um filme de Almodóvar.